a eternidade é uma sucessão

Publicado em 28/12/2013

estou caindo da cama, mas me agarro firme com a coragem e a fé que me restam. forço o lençol com as unhas, inclino o corpo para cima do colchão e imploro, quase em forma de prece, para que ela não me deixe cair, para que segure minha mão e me abrace e me puxe para perto de si. mas ela dorme profundamente e minha prece silenciosa não a alcança. apenas quando o sol nasce, ela desperta de seus sonhos distantes e me beija com calma e doçura. enxugo o suor, disfarço o cansaço, como se estar ali não exigisse esforço algum. assumo o papel de duas forças distintas. metade quer uma paisagem ímpar, um ângulo único, o per ten ci men to. o resto se contenta em apreciar e sentir toda beleza que se revela aos olhos como uma dádiva. aceito. aceito sorrindo, aceito feliz, aceito dançando pela sala. dia após dia decido continuar por saber que todas as coisas realmente grandes são formadas por uma infinidade de pequenas, minúsculas, imperceptíveis coisas.

"Eternidade não era a quantidade infinitamente grande que se desgastava, mas a eternidade era a sucessão. Então Joana compreendia subitamente que na sucessão encontrava-se o máximo de beleza, que o movimento explica a forma e na sucessão também se encontrava a dor porque o corpo era mais lento que o movimento de continuidade ininterrupta." - Clarice Lispector em Perto do Coração Selvagem

" Que as palavras que eu falo não sejam ouvidas como prece e nem repetidas com fervor, apenas respeitadas como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimentos." Oswaldo Montenegro

Publicado em 22/12/2013

Deus, por que é que as coisas continuam acontecendo dentro de mim? Enquanto o mundo lá fora dorme e as pessoas se movimentam inertes a si mesmas, sem reação, o coração como uma máquina, eu ando na chuva com o sapato dentro da mochila e penso a cada passo em coisas que não deveria pensar, penso em quem nunca tocarei novamente. Penso com ternura, quero que a ternura tome conta de mim e quero mostrar o quanto é bonito. Preciso compartilhar com urgência a beleza das coisas que sinto e vejo, por isso chego assim como quem bate na porta do desconhecido totalmente nu e recebe como única reação a porta batendo forte e se fechando de novo, após uma pequena abertura, após fitar rapidamente os olhos assustados que eu quereria amar. 

Energia desperdiçada com os últimos amores. Muita energia desperdiçada. Eu não caibo em nenhum deles, nenhum consegue me compreender. Falta percorrer o caminho, falta entender a importância das palavras. Metade de mim é palavra.  

Amanhã o mar chorará de manhã, pegarei o primeiro avião depois que o sol nascer e a ausência de meu amor, esse amor que aprendi a sentir por Salvador, será sentida. Os sentimentos mudam a cada chegada e partida e não estou mais ansiosa, apenas a saudade de casa me faz querer sair daqui. 

"Porque metade de mim é abrigo
E a outra metade é cansaço"

violentar-se

Publicado em 17/12/2013

eu quero que você me engula
mas antes, mastiga minha alma
crava os dentes com força na minha pele
na parte mais suja e humana de mim

me massacra, me tritura, me  degusta
me dissolve na sua saliva
e sente na língua a textura dos meus medos
o furor das minhas vontades
e o amargo da minha solidão

até que dentro de você eu me torne
essa bola indigesta que sou
e se você não me botar pra fora
não me expulsar, não me vomitar
até sentir o gosto da bile na garganta

eu fico

eu fico e estanco o sangue que jorra
do pedaço que você arrancou
eu fico e viro água com açúcar
pra tirar o gosto ruim da sua boca
toda vez que eu te beijar

salvador, 09/12

Publicado em 09/12/2013

ontem foi o dia em que fiz as pazes com salvador. chorei e pela primeira vez não senti vontade de ir embora daqui enquanto chorava, porque a tristeza estava em qualquer lugar menos na culpa que eu atribuía à cidade. tudo está e sempre esteve dentro de mim, o ódio, a gratidão, os pesadelos dos quais me livrei essa semana. e essa inquietude, essa sede e esse desgosto que tem exigido uma paciência e uma flexibilidade que francamente, não possuo. tenho sido severa e intolerante comigo, ontem senti vontade de abandonar meu corpo ao perceber que me tornei alguém que eu não queria ser, alguém de quem não sinto orgulho. tenho medo ao pensar em voltar ao mesmo lugar da mesma forma que saí, mas ainda bem que há tempo. "sempre há tempo" é o que tenho dito para viver os dias com calma e encontrar a paz. a mesma paz silenciosa que aparece depois dos furacões e se instala como se nada tivesse sido devastado. uma tempestade ainda acontece dentro de mim e eu não sei o que sobrará do que um dia fui. talvez essa tempestade dure a vida inteira e até meu último sopro seja um furacão, mas o que desejo é a constante reconstrução e força, muita força para deixar para trás o que for necessário. às vezes é preciso apropriar-se da posição de observador, de investigador de si, e olhar para os fatos sem culpa e com frieza. se não for assim, não há quem consiga permanecer em pé sem ser derrubado pelo peso do passado. 

salvador, 03/12

Publicado em 03/12/2013

"por isso, caro senhor, ame sua solidão e suporte a dor que ela lhe causa com belos lamentos. pois os que são próximos do senhor estão distantes, é o que diz, e isso mostra que o espaço começa a se ampliar à sua volta. se o próximo está longe, então o que é distante vaga entre as estrelas, na imensidão. alegre-se com seu crescimento, para o qual não pode levar ninguém junto, e seja bondoso com aqueles que ficam para trás, seja seguro e tranquilo diante deles, sem perturbá-los com as suas dúvidas e nem assustá-los com uma confiança ou alegria que eles não poderiam compreender." rainer maria rilke

me livrei da única pessoa que burlava minha solidão aqui. e agora me sinto realmente livre da beleza aparente que me cegava para o resto das coisas bonitas que existem nesse lugar. compreendo, cada vez mais, que algumas belezas não me servem, ou não devem servir, e que a arrogância é o pior dos defeitos. tenho ainda três semanas antes de voltar para casa para restabelecer minhas forças e pela primeira vez desde que cheguei aqui, sinto que estou mergulhada em um certo equilíbrio. ainda não estabeleci uma rotina produtiva e nem creio que consiga alcançar isso até o fim, tenho dormido muito como fuga e meus horários não possuem nenhuma constância, sempre chego ao fim do dia sem ter feito metade do que deveria, mas tenho tentado ser razoável e não me punir por nada, aceitando tudo como parte de um crescimento inevitável que virá como resultado de todos os acertos e fracassos. tenho pesadelo quase todas as noites, mas nem isso diminui minha sonolência. noite passada acordei chorando às quatro da manhã após sonhar com a morte de meu pai e depois de passar algumas horas me recuperando, tratei de aproveitar meus últimos minutos de sono. como se voltar até lá constituísse um ato de coragem e eu estivesse disposta e preparada para enfrentar tudo novamente. quando voltei a dormir o pesadelo continuou, como se o ato de acordar e descobrir que se tratava de um sonho também fizesse parte do enredo. apesar dos pesadelos, do excesso de sono e das crises, que hora ou outra acabam aparecendo, sinto-me mais equilibrada e segura. estou cansada de salvador de uma forma física e espiritual, contudo não sinto o peso em meus ombros por uma simples questão de consciência. não quero que o tempo passe mais rápido, quero apenas que tudo aconteça como deve acontecer. me apropriei de uma paciência e serenidade que retirei de um lugar fundo dentro de mim até então desconhecido, e elas têm me ajudado a viver com calma minhas perguntas e não exigir que as respostas cheguem claras e certas, e sim na mesma lentidão que tenho experimentado dia após dia, sem perceber. parei de medir o que quer que seja em qualquer proporção que venha de fora para dentro, portanto os dias tem sido infinitos para o meu coração por mais que sejam muito curtos para quaisquer afazeres. ana me indicou outra leitura fantástica, e agora, além de anaïs, tenho também a companhia de rainer maria rilke, e de sua simplicidade expressa em cada carta de "cartas ao jovem poeta". de todas as pessoas que estão longe, ana é a que mais se faz presente, me tornando forte e me dando coragem nos momentos mais inusitados. sábado passado enquanto todos em casa dormiam, fui à praia sozinha porque ela me encorajou e conheci thaise, a garçonete que conversou comigo sobre livros. disse que preferia cigarro artesanal porque matava mais sua vontade e confessou que gostava de ler depois de chegar em casa e tomar seu banho, disse que lia sobre novelas e atores e perguntou do que se tratavam o livro e a revista que eu lia. sentou-se comigo na mesa algumas vezes nos intervalos e me contou sobre como gostava de conhecer pessoas novas e me pediu pra não ir embora tão cedo porque gostava de me ver ali sentada. estou orgulhosa por ter chegado até aqui e sei que ainda falta muito mas já posso afirmar que irei até o fim. afirmo não com a inocência de quem supõe prever o próprio futuro, mas com a força e a fé de quem insiste no que é difícil por saber que "o fato de uma coisa ser difícil tem de ser mais um motivo para fazê-la". a facilidade não me levará a nada, como a beleza vazia que deixei para trás. é preciso percorrer um caminho para chegar ao que é verdadeiramente belo, mesmo que no fim esse caminho apenas reforce a impressão inicial. sou adepta à simplicidade do amor e da beleza, mas tenho aprendido que por mais belo que algo pareça ser, para que sua beleza se concretize realmente, é necessário ir além do encantamento inicial e inocente. meu esforço é para que este momento não me sirva apenas como enfeite e que de fato se concretize em mim como parte integrante do meu ser e como algo que tornará minha vida, cada vez mais, verdadeiramente bela.

salvador, 25/11

Publicado em 25/11/2013

me tira daqui, eu quero fugir
te pego em dez minutos

entra no carro com cheiro de ternura e "eu nunca vou te trazer de volta, e você sabe que eu vou voltar então não chora agora, me dá sua mão, toma aqui um cigarro que as coisas hão de melhorar a cada esquina que a gente dobra pra longe daqui". me chama. me chama de amor desse jeito rendido que derrete e repete, repete devagar no meu ouvido as duas sílabas. a-mor. as duas sílabas mais filhas da puta do universo que fodem com o coração do mundo inteiro inclusive com o nosso. você merece todas as cartas de amor do mundo. se o amor fosse questão de merecimento. e talvez até seja, mas um merecimento tão subjetivo que foge à nossa compreensão, envolvendo alma, aura, vidas passadas e qualquer coisa além do nosso pequeno alcance humano e terreno. porém, prefiro acreditar que o amor não tem nada a ver com merecimento, por isso não me pergunte por que foi que eu demorei tanto pra te escrever, depois de tudo que você me deu e me proporcionou. Ingratidão, com I maiúsculo, você deve pensar. mas não, ou tanto faz, não posso provar o contrário assim como não posso provar ser o contrário do que dizem sobre mim. apropriando-me da fala de caio, a única coisa que eu posso fazer é escrever  e acrescento, sinceramente, abrir meu coração. sendo assim ou não, para além da gratidão, eu não poderia entrar no mar de mãos dadas com alguém. isso impediria o afogamento, a queda, o aprendizado. quando voltei de casa e me encontrei com o mar pela segunda vez o dia estava quase indo embora e as ondas chegavam violentas subindo cada vez mais a maré. eu estava sozinha e sentia uma pontada de medo cada vez que meus pés se molhavam acidentalmente. mas entrei. e caí e me afoguei. três vezes. depois saí andando com a areia no corpo feito cicatriz, me sentindo a mulher mais forte do mundo pelo simples fato de ter me levantado das quedas e ter retomado o fôlego depois de me faltar ar. você me entende? será que você pode ao menos tentar entender que quis fugir correndo de tudo que me tornasse mais forte, de qualquer coisa que tornasse mais fácil o que estou vivendo agora? eu quis chegar aqui com o coração nu e por isso tive que perder você, e me perder de você e nos perder assim covardemente na distância que eu diminui a nada, poucos minutos antes de embarcar. porque eu sabia que se não fosse difícil tudo seria em vão e eu continuaria com a mesma inocência de querer controlar e prever as coisas antes do fim. além do cheiro, guardei o sorriso. me lembro claramente de você sorrindo, encostada na parede, enquanto eu me alternava entre te beijar e me afastar pra te ver sorrir de qualquer coisa banal que alguém gritava da cozinha. como era bom deitar no seu colo e como você foi tola por ir embora daquele jeito antes que o dia amanhecesse, se você me conhecesse mais, se tivéssemos tido mais tempo, você não choraria aquela noite. o próprio ato de dormir com alguém, de encostar a cabeça no peito, de sentir a respiração e a pele encostando e esquentando já é absoluto por si só. sublime e completo, compreende? se não, feche os olhos e tente se lembrar de toda a simplicidade que há em um abraço de amor. e deitar no seu colo era sempre aqui e agora, era deixar todo o resto fora do alcance dos seus braços, e de mim. agora diz, olha pra mim e diz se não foi preciso coragem pra deixar pra trás o conforto do seu colo e de todo o resto. meu silêncio não reflete nada mais do que uma necessidade dura de suportar, mas agora eu tô aqui te escrevendo pra dizer que eu penso em tudo. em tudo que eu deixei pra trás. geralmente quando pego um ônibus lotado às sete da manhã ou quando subo sozinha as ladeiras do caminho de casa. e aí eu me concentro na respiração ou olho pela janela toda a sujeira dessa cidade e os edifícios antigos enquanto sinto, sinto que me torno forte a cada gota de suor que cai no chão. rogo em pensamento para que meus próximos caminhos não exijam de mim tanta solidão e agradeço, ao mesmo tempo, por estar na bahia, onde por mais sozinho que você esteja, será sempre bem acolhido e receberá sorrisos de desconhecidos na rua. espero que ainda nos encontremos para falar e ouvir sobre a vida e depois um abraço. de despedida ou não. creio que cartas de amor, assim como o amor, fogem de quaisquer definições, portanto não posso dizer se isso é uma carta de amor. por outro lado, acredito que tanto o amor quanto as cartas de amor exigem rendição. por isso estou aqui, rendida, assim na esperança de que talvez isso aqui vire uma carta de amor. 

e agora

"olha pra mim
não foi à toa que eu cheguei a ti
se a essas ruas sobrevivi
e nessas praias não me afoguei
foi só porque tinha algo a dizer pra você"
(helio flanders)

vai saber.

um abraço para que eu me sinta em casa

Publicado em 07/11/2013

eu não vou me prender a lugar algum
onde não haja alguém que me faça sentir
que me aguce o sentido, que me tire o sentido
que me cause vontade de viver e de morrer

meu coração é uma âncora em mim
que não vai se afundar sozinha
que vai ficar aqui pesando, enferrujando
enquanto não houver companhia
que compense a profundeza
da permanência nesse lugar

salvador, me salva dessa solidão
ou eu pego o próximo vôo
entro em qualquer avião
me jogo na paralela
me afogo na água parada

bahia de todos os santos
responde meu pranto
me encanta de novo
me afaga em teu seio
me abriga, me dá morada

entende que hoje
é ficar ou partir
ir ao encontro ou fugir
hoje é tudo ou nada

propositalmente ir além do mar

Publicado em 05/11/2013

meus dedos na sua boca e eu te desenhando no escuro. me desintegrando, entregando tudo a você. mesmo sabendo que o ato de foder viria no dia seguinte quando você esqueceria meu nome e meu endereço e se levantaria da cama antes que eu acordasse do sonho. eu te procuraria pela casa feito louca sem saber se foi real. desceria as escadas e descabelada sairia na rua, te procurando, olhando na mão e contramão atrás do que me deu sentido. 

meus dedos na sua boca e eu te desenhando no escuro.

meu nariz no seu ouvido e depois a língua e a palavra, qualquer palavra indecifrável dessas que só surgem em atos sublimes de amor. meu corpo no seu, poema de métrica perfeita se encaixando, cada toque uma estrofe, um verso a cada ato de inspirar e expirar, cada vez mais alto. letra por letra e eu percorrendo você com ares de arqueóloga, como uma pesquisa etnográfica em  uma tribo desconhecida. atenta aos detalhes, curvas, cheiros, texturas.

meus dedos na sua boca e eu te desenhando no escuro.

para alcançar a mansidão

Publicado em 16/04/2020

este touro que nada quer abaixo de minha carne
e por não querer, é seu meu coração

diz, que é que eu devo sentir nesta ressaca de te ter?
depois da praça, da noite, do frio, da despedida da lua

se não nascemos com aquele sol
não nasceremos nunca mais

o lenço vermelho dessa nossa vida é a indiferença

paradoxo e complemento

Publicado em 23/07/2013

amarra meus pés segura minhas mãos
amordaça minha vida mas não limita minhas palavras

me prende aqui dentro fecha todas as saídas
mas me deixa viver nesse papel
passear entre essas linhas essas tintas esses sonhos
transformar amores medíocres em grandiosidades

nessa irrealidade onde pessoas pequenas
ocupam a folha inteira
e eu cresço junto mas cresço de verdade
alimentando a vontade de ser maior e melhor

aceitando a sina não imposta que escolhi
na qual a palavra precede o ato e o é ao mesmo tempo

já é tarde e o lirismo não vai mais me abandonar
irreversivelmente desistir de escrever seria desistir de tudo

anúncio

Publicado em 21/07/2013

Estou pensando voluntariamente em você pela última vez porque preciso escrever para te exorcizar de mim. Você entrou no carro e eu fiquei do lado de dentro da porta, ouvindo você ir embora. Tirou o carro da garagem e fechei o portão, tranquei a porta e desabei. O tapete amorteceu a queda mas desabei. Desabei por dentro. Desaguei. E o cachorro dotado de toda sensibilidade foi lá, lamber minhas lágrimas, com um misto de pena e amor. E apesar do tapete e apesar do cachorro, foi doído cair no chão. Doído como todos os golpes que tenho recebido na fuça desde que decidi lutar por você.

E como se não bastasse toda a  dor, todo esse processo dolorido de te trazer à tona pra te expulsar de novo, sou interrompida por uma mensagem de alguém dizendo que te viu. Penso várias vezes antes de tomar um banho e ir onde você está, só pra te ver uma última vez e ter certeza de que o fim é mesmo necessário. Eu acenaria pra você de longe, sem nenhum envolvimento, como você gosta. E depois beberia qualquer coisa pra não ficar com a mão desocupada e sorriria das banalidades das conversas com qualquer conhecido e fumaria uma carteira de cigarro sem perceber, abandonando à força o projeto de voltar correr amanhã de manhã.

E agora, depois dessa interrupção, acabo de perder o fio de tudo e quase não consigo dar continuidade a isso que eu não sei nomear. Diria que é uma anunciação ridícula do fim, mas antes de escrever lembrei do silêncio das despedidas. As verdadeiras despedidas são sempre silenciosas... Tenho repetido na cabeça o dia inteiro como um mantra e é por isso que hoje eu ainda te dei bom dia. Eu não posso dizer tchau, até logo, adeus, cansei, some, nunca mais quero te ver, ou até mesmo eu quero que você se foda, se foda muito com essa sua vidinha medíocre e esses sentimentozinhos medíocres e esse namoro medíocre com alguém que nunca vai te desejar tanto quanto eu, alguém que nunca será tão sua e nunca vai reparar tão bem todos os seus detalhes, suas nuances suas faces seu corpo. E nunca vai te beijar com lágrimas de amor. Eu não posso dizer nada porque se eu anunciar, nunca vou conseguir ir embora. E é incrível porque eu nem te admiro e repudio essa postura racional, essa postura de quem nunca sente, de quem só sente a carne e está sempre agitado o dia inteiro sem tempo pra pensar, pra sentir, sem tempo pra qualquer coisa que faça a diferença.

Mas eu me afundei nisso e agora não consigo sair e se alguém me perguntar a razão, o motivo, o porquê eu vou rir. Vou rir pra não chorar porque chega a ser ridículo não saber como e onde começou a acontecer. Em que ponto as coisas ficaram assim irreversíveis aos meus olhos, quando é que eu não pude mais permanecer e tive que escolher de repente entre ir além ou voltar? Escolhi ir além, sem saber que nesse caso, ir além seria na verdade regredir. Nunca demorei tanto para assimilar e aceitar um limite. Atipicamente de capricórnio, mergulho fundo, sem medo, até que não haja mais ar nos pulmões. Eu sinto falta da determinação de quem nasce em janeiro e da força e da inteligência. Você sabe o que é conseguir olhar de fora para si mesmo, sabendo que tá tudo errado, tudo fora do lugar, e ainda assim insistir no erro por querer sentir uma fisgadinha a mais do lado esquerdo do peito? Osho diz que são inúteis os noventa e nove por cento de razão, que o um por cento irracional é que faz a diferença. Talvez seja por isso, por ter lido um dia essa maldita frase, talvez por isso eu seja assim.

Para além de toda essa raiva, de toda essa angústia e incapacidade de ser amada, de superar a solidão, agora que cheguei até aqui estou orgulhosa, mesmo que as ideias estejam bagunçadas e eu não faça questão de organizá-las, mesmo que tudo tenha soado um tanto quanto violento, violência típica de quem foi rejeitado, estou muito orgulhosa de mim. Estou orgulhosa por não ter medo, por não ser como a maioria das pessoas que voluntariamente não se apaixona. O que há aqui dentro é pesado, confesso, mas é bonito. É a parte mais bonita de mim, mesmo quando eu me arrumo de verdade e sou notada ao passar na rua, o meu coração é mais bonito do que o meu sorriso. Respiro aliviada. Escrever é de todos os verbos, o mais exaustivo e acolhedor.

a solidão é como uma tempestade

Publicado em 08/07/2013

que destrói tijolo por tijolo os meus abrigos
E leva embora os amores como barcos de papel na enxurrada
Depois eu fico só
Fica só o frio
Estão todos loucos de uma loucura vazia
E eu, cheia de mim, quero sumir
Não como ave de rapina que sou, mas como pássaro pequeno que se esconde entre as nuvens

Se eu esperar pelo tempo bom, será que há de chegar?

Amar demais me transformou em um extremo
Não sei se me tornei mendigo ou rei
De qualquer forma, quis alguém, por esmola ou reverência
Alguém que não tivesse vergonha de sentir frio nessa terra de estações indefinidas onde não há inverno
E se agarrasse a mim mesmo que para se desfazer em suor

Mas o calor não faz mais parte dos abraços
E agora minha vontade é neve que derrete e escorre entre os dedos
E se mistura à enxurrada que levou embora o meu sorriso
Vou-me embora com eles, com elas, com todos que me deixaram para ver o sol nascer e se por de novo em solidão

Goiânia, junho de 2013.

Publicado em 03/06/2013

De fato, sinto saudade. Principalmente de deitar no seu colo nas manhãs frias e te ouvir dizer que eu sou uma pessoa boa e mereço um grande amor, um amor foda, que suporte todos os meus mimos e me faça feliz de verdade. E das broncas carinhosas que você me dava porque eu nunca soube me valorizar. E dos cigarros antes das oito sempre repletos de poesia. Como você entendia minha urgência, Ana. Minha dor, minha vontade de viver dolorosamente e escrever a vida. E agora você está aí no seu apartamento, com sua máquina de escrever, com suas contas, seu emprego, seu fogão, seus livros prontos para serem publicados, mas nada seria suficiente se fosse a solidão. Seu homem está aí, o amor da sua vida, seu escritor. E vocês não dependem de mais nada a não ser da própria força e manter vivo o encanto é quase natural mesmo em meio ao peso do cotidiano. Vocês estão vacinados contra a razão, eu sei. As horas, o tempo, a rotina nunca serão capazes de driblar a nossa vontade de sentir e a nossa capacidade de fazê-lo. E pensando bem, talvez nós sejamos os verdadeiros heróis de nós mesmos, os sobreviventes, os fortes, porque nos recusamos a viver automaticamente e por isso o amor estará sempre vivo em nós.

Continuo sem talento, Ana. E ainda me falta tempo. Plena segunda-feira e eu tenho que cancelar compromissos para satisfazer o coração. Por isso é que preciso sair daqui, você sabe, ir para a Bahia, me descobrir, amar, enlouquecer pra depois ter pique pra ser capricorniana de novo. Adulta, responsável, filha única que sabe o peso que carrega nas costas e aceita a carga por amor. Te escrevo pela saudade, pela falta que me faz teu sorriso mas principalmente por não aguentar mais essa vontade de compartilhar a minha vida com você. Digo com você porque eu não o faria com qualquer pessoa. Há algum tempo, quando paro para refletir me vem tua imagem ao fundo e sinto vontade de te ligar, perguntar o que você acha de tudo. Quando a vontade é menos imediata, chego a planejar uma carta inteira, cada vírgula, no banho ou antes de dormir, mas me tornei especialista em deixar passar e fecho os olhos, desligo o chuveiro e permaneço gritando apenas por dentro.

Estou com alguém. Estou com alguém mesmo que isso seja muito pesado para o que vivo agora. Não faz muito tempo, mas já dormimos juntos algumas vezes e acho que finalmente encontrei um cobertor humano, que deita inteiro na minha cama e quando me abraça no meio da noite parece veludo. Quando o dia amanhece ele não me dá metade do que eu preciso e nossos encontros quase nunca passam de trinta minutos. Ficava em mim sempre uma sensação de vazio, de incompletude, que se transformava em raiva e depois intolerância, me obrigando a desistir. E eu desistia todos os dias mas nunca tinha coragem de verbalizar, cheguei a ensaiar algumas vezes mas disfarcei e mudei o rumo da conversa pois o apego era maior. E agora, Ana, acho que eu descobri um novo sentido em tudo. Há dois dias não penso em desistir e talvez agora eu esteja bem. Mesmo com toda ausência e com todo buraco que as horas e o silêncio cavam em mim, começo a pensar que a felicidade plena não é meu objetivo final. Vejo você dizer sobre o quanto está feliz ao lado do André e sobre sermos cegos ao pensarmos que a tristeza é bonita mas eu não quero ser plenamente feliz agora, Ana. E eu sei que você com toda sua sabedoria é quem sabe a única pessoa capaz de me entender. Eu quero essa falta, eu quero essa incompletude. Eu quero meu guerreiro chegando da guerra e eu tirando sua armadura e acariciando a pele e cuidando das feridas. Eu estou com alguém que não me faz feliz mas eu estou onde eu quero estar. Isso pareceria contraditório para qualquer pessoa do mundo, por essas e outras razões escrevo a você. Minha Ana, minha amiga. Tenho exercitado minha tolerância e até mesmo minha solidão. Eu estou com alguém que não me faz feliz e isso é libertador porque se a felicidade não partir de mim, ainda assim estarei confortável na minha tristeza. É disso que a gente vive, não é? Não é essa a nossa matéria prima, a tinta das nossas palavras?

Ainda não aprendi a tirar a faca do peito e nem a revisar textos. A urgência ainda fala mais alto. Resta-me pedir que exercite sua paciência e me perdoe pelos erros. Eu te amo.

Da sua,

Babi.


voluntariamente

Publicado em 20/05/2013

me tornar refém de ti, de mim
do nosso amor que nem sei a quantas anda
mas sei que está aqui, aí
dentro, quem sabe, do nosso coração
metade de mim alça voo agora
enquanto a outra parte permanece
sobrevive e espera
pelo próximo encontro
pela morte da saudade
que já mora em mim

Reconstrução

Publicado em 16/03/2013

O vazio do mundo transformou minha solidão
Solitude

Vontade ímpar de ser um só. Muralha da China, muro de Berlim
Corpo estirado na cama e olhos fechados para a noite lá fora
Nada parece convidativo, os amores não valem mais

A cicatriz do amor é tinta na pele
Sorriso que rasga o rosto, lágrima que queima e corrói

Saudade também é cicatriz
N'outros tempos ferida viva
Sangrava sem se esgotar
Esgotava a mim, só
A ausência vermelha explodia
Me deixava vazia e fraca
Saudade hoje é carne morta

Eu não te amo, eu te reconstruo
Amar é reconstruir
Junto os cacos, limpo a bagunça
E construo algo mais bonito
Com a matéria prima do que foi quebrado

Te perdoei ontem, te perdoei hoje
Te perdoo pelo amanhã, para o resto da vida
A falta de atenção virá e me sentirei novamente só
Em tua boca estamparás o nome de outra
Ainda assim...

Te mostrarei a beleza da redoma
Que construí do que sobrou dos nossos versos, da nossa agonia

meu coração me faz mendigo

Publicado em 10/02/2013

me tira da cama no meio da noite
me deita no asfalto gelado
e me cede um papelão como cobertor

de olhos fechados
o barulho dos carros é silencioso
no silêncio retorno ao pó
e me recomponho em palavras

hei de escrever, custe o que me custar
um, dois, três carnavais
domingos de luto
ou até a minha lucidez

minhas pálpebras serão janelas
que fecharei quando quiser
olhar para dentro
de mim

Antônio de Albuquerque, 15º andar.

Publicado em 09/01/2013

16:37
Estou com a faca cravada no peito, proibida de descrever a sensação.
Digo, por teimosia, que me sinto bem aqui.
Nessa cidade de ruas fechadas que me sufocam,
morros urbanos que me elevam e sexo futuro ao qual me entregarei
e não receberei nada em troca além do prazer.
Linda, ela me fala sobre tudo
e me limito ao clichê de observar as curvas dos lábios.
Meus olhos decolam com sua língua ao céu do amor passageiro e intenso.
Seria pecado pedir para o tempo parar
e adiar a aterrissagem até o último momento?


3:59
Presente de grego.
Como se meu guia tivesse de repente me abandonado
e me entregue às arvores dessa cidade estranha.
Senti vontade de voltar para casa
ou me esconder entre os galhos da árvore à minha frente


9:13
Depois da tentativa frustrada de prazer eu quis chorar
para potencializar ainda mais o drama
O álcool não foi suficiente
e além da efemeridade dos fatos,
não havia nada exageradamente triste nisso tudo.
Hoje eu aprendi que o prazer é psicológico,
o que é quase um abismo para quem já deixa o coração mandar demais.
A pele era para mim uma fuga até então.

Linda, ela dorme ao meu lado.
Vou lhe dar um beijo de bom dia e pedir o café da manhã.

Tenho ainda a faca cravada no peito.


17:03
Como uma flor aberta que vai murchando,
se fechando por falta de água.
Ofuscada, queimada do sol, grito:
eu tenho sede.


18:48
Cinco anos de terapia não lhe darão coragem
para viver de verdade seja lá o que for.
Eu lhe darei coragem, talvez não nessa viagem
Mas um dia pedirei passagem em nome do amor.
Quero ver me negar abertura, dou afago, dou ternura,
brinco com sua loucura e que mais precisar.

E minha rima pobre é eficiente feito cachaça barata,
ela não me diria não.


20:22
Diz que não tem culpa mas o quarto inteiro cheira alecrim.
O quarto inteiro é um pedido de perdão pela metade.
A cama arrumada, o cinzeiro limpo.
A outra metade é ela fumando, na janela, com a blusa aberta.
"Eu te perdoo, amor. Você ainda não sabe, mas eu te perdoo
por fazer eu me sentir uma qualquer e diminuir a nada
a distância que percorri até aqui. Te perdoo pela falta de atenção
e por não me beijar em público. E por não cumprir a promessa
de me abraçar enquanto eu dormia."


11:00
Não vou acordá-la,
velar seu sono é melhor do que explorar qualquer canto desta cidade.
Ela é o canto mais lindo desta cidade.
Contemplo seu sono com ar de turista deslumbrada,
coloco minha mão sobre sua barriga, e espero
ansiosamente pelo seu mau humor matinal.
Até isso tem me feito sorrir.


22:05
A cidade grande vai diminuindo de tamanho
e feito criança observo pela janela.
Me transformo em uma simples nuvem escura
acima das pequenas luzes onde ela se esconde.
As luzes se apagam, me perco na escuridão,
só o barulho das turbinas anuncia minha volta para casa.
E nas asas do pássaro gigante, feixes de luz piscam
mais rápido do que meu coração,
que sinto, vai morrendo cada quilômetro percorrido.


22:25
Há uma tempestade fora da minha rota.
36 mil pés me separam do chão.
27 graus goianienses me aguardam daqui meia hora.
Vai fazer frio dentro de mim.

A faca nunca sairá do meu peito demente.
Continuarei a contar (sobre) as gotas de sangue que pingam
e sujam de vida o papel.

Marcadores