anúncio

Publicado em 21/07/2013

Estou pensando voluntariamente em você pela última vez porque preciso escrever para te exorcizar de mim. Você entrou no carro e eu fiquei do lado de dentro da porta, ouvindo você ir embora. Tirou o carro da garagem e fechei o portão, tranquei a porta e desabei. O tapete amorteceu a queda mas desabei. Desabei por dentro. Desaguei. E o cachorro dotado de toda sensibilidade foi lá, lamber minhas lágrimas, com um misto de pena e amor. E apesar do tapete e apesar do cachorro, foi doído cair no chão. Doído como todos os golpes que tenho recebido na fuça desde que decidi lutar por você.

E como se não bastasse toda a  dor, todo esse processo dolorido de te trazer à tona pra te expulsar de novo, sou interrompida por uma mensagem de alguém dizendo que te viu. Penso várias vezes antes de tomar um banho e ir onde você está, só pra te ver uma última vez e ter certeza de que o fim é mesmo necessário. Eu acenaria pra você de longe, sem nenhum envolvimento, como você gosta. E depois beberia qualquer coisa pra não ficar com a mão desocupada e sorriria das banalidades das conversas com qualquer conhecido e fumaria uma carteira de cigarro sem perceber, abandonando à força o projeto de voltar correr amanhã de manhã.

E agora, depois dessa interrupção, acabo de perder o fio de tudo e quase não consigo dar continuidade a isso que eu não sei nomear. Diria que é uma anunciação ridícula do fim, mas antes de escrever lembrei do silêncio das despedidas. As verdadeiras despedidas são sempre silenciosas... Tenho repetido na cabeça o dia inteiro como um mantra e é por isso que hoje eu ainda te dei bom dia. Eu não posso dizer tchau, até logo, adeus, cansei, some, nunca mais quero te ver, ou até mesmo eu quero que você se foda, se foda muito com essa sua vidinha medíocre e esses sentimentozinhos medíocres e esse namoro medíocre com alguém que nunca vai te desejar tanto quanto eu, alguém que nunca será tão sua e nunca vai reparar tão bem todos os seus detalhes, suas nuances suas faces seu corpo. E nunca vai te beijar com lágrimas de amor. Eu não posso dizer nada porque se eu anunciar, nunca vou conseguir ir embora. E é incrível porque eu nem te admiro e repudio essa postura racional, essa postura de quem nunca sente, de quem só sente a carne e está sempre agitado o dia inteiro sem tempo pra pensar, pra sentir, sem tempo pra qualquer coisa que faça a diferença.

Mas eu me afundei nisso e agora não consigo sair e se alguém me perguntar a razão, o motivo, o porquê eu vou rir. Vou rir pra não chorar porque chega a ser ridículo não saber como e onde começou a acontecer. Em que ponto as coisas ficaram assim irreversíveis aos meus olhos, quando é que eu não pude mais permanecer e tive que escolher de repente entre ir além ou voltar? Escolhi ir além, sem saber que nesse caso, ir além seria na verdade regredir. Nunca demorei tanto para assimilar e aceitar um limite. Atipicamente de capricórnio, mergulho fundo, sem medo, até que não haja mais ar nos pulmões. Eu sinto falta da determinação de quem nasce em janeiro e da força e da inteligência. Você sabe o que é conseguir olhar de fora para si mesmo, sabendo que tá tudo errado, tudo fora do lugar, e ainda assim insistir no erro por querer sentir uma fisgadinha a mais do lado esquerdo do peito? Osho diz que são inúteis os noventa e nove por cento de razão, que o um por cento irracional é que faz a diferença. Talvez seja por isso, por ter lido um dia essa maldita frase, talvez por isso eu seja assim.

Para além de toda essa raiva, de toda essa angústia e incapacidade de ser amada, de superar a solidão, agora que cheguei até aqui estou orgulhosa, mesmo que as ideias estejam bagunçadas e eu não faça questão de organizá-las, mesmo que tudo tenha soado um tanto quanto violento, violência típica de quem foi rejeitado, estou muito orgulhosa de mim. Estou orgulhosa por não ter medo, por não ser como a maioria das pessoas que voluntariamente não se apaixona. O que há aqui dentro é pesado, confesso, mas é bonito. É a parte mais bonita de mim, mesmo quando eu me arrumo de verdade e sou notada ao passar na rua, o meu coração é mais bonito do que o meu sorriso. Respiro aliviada. Escrever é de todos os verbos, o mais exaustivo e acolhedor.

Marcadores