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Publicado em 28/01/2014

costumava me perguntar
quando deitávamos na cama
no que é que eu estava pensando

eu aumentava a força do abraço
e sorria, achando graça de tudo aquilo
era bonito saber que só o corpo não bastava

primeiro vinha o medo,
medo de perdê-la, medo de que passasse.

depois vinham os planos,
quero me casar com essa mulher, pensava,
para tê-la comigo assim todos os dias.

em seguida, a beleza.
como é lindo esse momento, essas curvas
esse cheiro e nossos corpos tão juntos.

(a gratidão não poderia faltar,
aprendi desde cedo a ser grata
por tudo que provoca riso,
e cada vez que ela respirava, uma dádiva,
me sentia quase indigna de tal presente)

pensava tudo isso,
não necessariamente nessa ordem.
e outras coisas também.
mas havia sempre um momento
em que a entrega era tão grande
que os pensamentos despareciam
evaporavam, esvaiam,
se dissipavam no meio de nós.

e era justamente nessa hora,
em que eu parecia tão distante
que ela me perguntava.
mas

como é que eu ia dizer?

então eu só dizia
nada, não estou pensando em nada

e ela nem desconfiava
do caminho percorrido
para chegar até ali

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Publicado em 16/01/2014

a distância enfim nos alcançou
não pela primeira, nem pela última
vezenquando a vida há de nos afastar
para além do corpo físico

e para achar o caminho de volta
teremos que nos tatear no escuro
e quiçá nos agarrarmos desesperadamente

como quem tem
medo-pânico-pavor
não de perder o outro
mas de perder a si próprio

só sua respiração,
o barulho da sua respiração
despido de silêncio e roupa
anunciará o reencontro

e eu vou quebrar a calma
vou bater na sua cara,
vou cuspir na sua cara,
quando gritar em tom ensurdecedor
que não, eu não vou desistir de nós

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Publicado em 13/01/2014

quero que tua língua me molhe
tal qual onda desvirginando 
a secura dos meus pés

que tu entres em mim
como o movimento das águas
enterrando meus dedos na areia

que alternes entre calma e violência
mas nunca deixes de vir
me pegando assim despreparada

amor,
sozinha eu não consigo
sozinha eu só consigo ser só

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Publicado em 13/01/2014

há uma estrela brilhantereluzindo em seus cabelos.
me aproximo,
os vaga-lumes voam.

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Publicado em 11/01/2014

assumo minha identidade
minha sina
minha obsessão

escrever

sozinha
tento reconhecer
a realidade
que me chega tão distante

aqui nada acontece
a chuva não cai
a música não toca
quase não existo
existo onde você está

sua boca molhada em preto e branco
eu, você, os barcos da ribeira
seu corpo, silhueta da lua
quase me sinto real

ao telefone, mamãe deseja lembranças
mal sabe ela
me lembro até do que não vivi

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Publicado em 10/01/2014

vencerá
o verbo
a batalha feroz contra a carne?

ou cairá
exausto
diante do desejo imediato
e da insuficiência do dizer?

minha palavra
cansada
(de se deitar em tantas camas)
quer dormir
(e acordar com você)

que me transborde poesia
onde lhe falta

que nos transforme, a poesia,
em nuvem alta

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Publicado em 09/01/2014

ouço seu coração, uma bomba-relógio,
pronto para me descartar em explosão.
o barulho das horas incomoda.
não quero ser escombro
da sua catástrofe remediável.
eu quero ser a causa, a culpa,
o desastre em si.

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Publicado em 08/01/2014

passei o dia longe de mim
porque se me aproximasse
me aproximaria de ti
e o combinado é mantermos distância

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