não

Publicado em 16/04/2015

nunca mais escrevi pensando em você

mas passo grande parte do tempo
pensando em te escrever
talvez isso valha

e tem mais
ainda refaço seus passos
se é que importa

os pássaros
as estrelas
os caminhos
às vezes me lembram você

quando canto sozinha

e se alguém me pergunta
sobre o amor

saudade

Publicado em 22/01/2015

é um pedaço
de qualquer coisa
que mora na gente
e vive louco
pra voltar pra casa

quero não querer

Publicado em 13/01/2015

suprir todas as suas faltas
não tentar tapar os buracos que a vida deixou
quero desejar apenas segurar sua mão

e isso me faz fadada ao fracasso

porque a verdadeiro amante
não se contenta em ser amante
tem que ser mãe, filha, irmã

tem que ser tudo
Publicado em 07/01/2015

de que valem
os surtos de coragem
se depois a solidão me atrai mais?

A mulher mais corajosa do mundo

Publicado em 2015

Acorda rigorosamente antes das sete e vai para o quintal pentear os cabelos longos e brancos, tão claros quanto o amanhecer. Faz o coque que durará até a hora de dormir e providencia o café doce e forte. Costumava murmurar sobre a demora da morte mas abandonou a mania com a chegada da bisneta Mellina Rosa, dos cabelos loiros e encaracolados, cujo abraço é tão forte que quase chega a derrubar. A menina aprendeu, não se sabe como, a chamá-la de vovó querida e esse afeto tão puro e espontâneo aparentemente adiou sua vontade de ir embora.

Mellina não foi a primeira nem a última, antes dela nasceram quatro e depois dela mais dois. Sua importância vem da mãe, criada a vida inteira pela “vovó Tereza”. Quando era bem pequena, Nayane foi passar uma temporada na casa da avó porque a mãe, Claudina, não tinha condições de criar os três filhos. Depois de um ano a temporada deveria chegar ao fim, mas a netinha ficou doente longe da avó e essa quase morreu de paixão. O passeio durou a vida inteira, até o casamento de Nayane, de onde saiu o fruto, a bisneta tão querida que deu vida à vida da bisavó.

Depois de passar o café, compra o pão no mercado da esquina. Embora o corpo esteja fraco e a pernas trêmulas anunciem o auge dos 89 anos, nem pensa em dispensar as caminhadas diárias. Chega a ir ao mercado três vezes no mesmo dia. Os pães sempre são contados de modo que sobrem para amanhã, não porque alguém na casa goste de pão amanhecido, mas é que as visitas esperadas nunca chegam, não na mesma hora. O importante, ela pensa, é estar sempre preparada para receber quem quer que seja.

Há quem diga que é uma mulher de sorte com tantas companhias e a campainha que toca o dia inteiro movimentando a casa e o coração. Além da neta, o filho mais velho também foi morar com ela logo que se separou da esposa. Fora o fato de livrá-la da solidão, Ruremar não deu muitas alegrias. Taxista e alcóolatra, recentemente abandonou o ofício depois de ser pego dirigindo embriagado. Por sorte, ou pelas orações da mãe, nunca sofreu nenhum acidente grave e está largando o vício. A embriaguez se tornou rara e no meio de semana se ocupa de algumas atividades como varrer o quintal, colocar o lixo para fora e assistir televisão. Mas a gratidão e necessidade de cuidado que a mãe sente por ele vêm desde tempos remotos, quando o marido morreu e ele a ajudou a criar os cinco irmãos.

A história de Terezinha é uma história de amor que poderia ser facilmente confundida com com romances de filmes e livros que circulam por aí. Quem a vê às oito da manhã tomando leite com café de forma tão calma, nem imagina sua trajetória. Tudo começou por volta de 1947. De família tradicional em Buriti Alegre, no interior de Goiás, costumava andar a cavalo com os irmãos na redondeza da fazenda onde moravam. Em um desses passeios conheceu o amor de sua vida, Ronan. Ele estava encostado na porteira da fazenda em que trabalhava. Rapaz bonito, alto, chamou sua atenção. Naquele dia não conversaram muito, mas pouco tempo depois descobriria que Ronan não tinha pai nem mãe, e muito menos dinheiro. Mas era trabalhador e para ela isso bastava.

Começaram a namorar e, como era de se esperar, a família não apoiava o romance, arrumaram inclusive um noivo de origem rica para que ela pudesse se casar o mais breve possível. Mas não adiantou, Terezinha amava Ronan e já havia decidido que não se casaria sem amor. Dito e feito – fugiram na calada da noite sem deixar nenhum sinal. Foram andando até Buriti Alegre e de lá pegaram um carro para a cidade vizinha, Morrinhos, onde se casaram no outro dia. Depois, foram de caminhão até Ceres, onde alguns familiares de Ronan lhes dariam abrigo.

Logo ela mandou uma carta para a família junto com a certidão de casamento e obviamente não obteve resposta. Quando perceberam que ela havia fugido, a preocupação foi outra. “Era eu que guardava o dinheiro do meu pai e na hora que eles deram falta de mim, dizem que ele foi direto pra procurar, ver se eu tinha carregado o dinheiro, e eu não tinha levado nada. Eu procurava dar um jeito de juntar meu dinheiro”, conta. Na ocasião, um irmão chegou a dizer que ela deveria ter levado pelo menos uns dez contos, que era pra não passar fome por lá.

Não pôde voltar em casa por muito tempo, sob risco do pai e os irmãos matarem o marido. A mãe não era tão rígida, mas também tinha medo, por isso achava melhor que a filha continuasse longe. “Depois de muito tempo, quando eu voltei lá meu pai já tinha falecido. Não despedi do pai”, fala em tom de tristeza e arrependimento. Não se arrepende de ter fugido por amor. Se pudesse, faria tudo outra vez, do mesmo jeitinho. No entanto, isso não diminui a tristeza que sente por nunca ter se despedido direito do pai.

Só depois que ele faleceu, ela voltou na fazenda para visitar a mãe e os cinco irmãos – quatro homens e uma mulher. Eles não guardavam mais rancor, mesmo a pior das mágoas ameniza com o tempo. Terezinha era vista como uma rebelde pela família que, apesar de tudo, não deixou de amá-la. Hoje, ela é a única que ainda permanece viva. Vai fazer dois anos que o último irmão, o mais novo, morreu. A morte é sua maior tristeza, tantas pessoas que perdeu ao longo da vida. Lamenta, mas continua firme. A liberdade de ter feito as próprias escolhas lhe deu forças para seguir em paz por tantos anos.

Depois do café, é hora das obrigações. Primeiro, rega as plantas com cuidado, a cebolinha está quase grande e os ramos de chá são o melhor remédio quando alguém adoece. Em seguida, é hora de lavar as roupas, sempre há alguma peça leve para lavar na mão. As brancas, coloca dentro de uma sacola com água e sabão e põe no sol para clarear. Lavar roupas é quase um ritual diário, a tarefa doméstica preferida e que já serviu até como fonte de renda. Houve um tempo em que lavava roupa na vizinha em troca de leite para os filhos e pedaços de sabão, logo após a morte do marido.

A essência de Ronan era nômade, ele não aguentava ficar muito tempo no mesmo lugar. Trabalhava em fazendas, na fabricação de tijolos e sempre dava um jeito de ser transferido para outra cidade onde ganharia mais dinheiro ou supostamente teria mais oportunidades. A intenção era sempre arrastar consigo a esposa e os filhos, mas ela não ia assim tão fácil: “Eu posso ir com você, mas só se for onde os meninos possam estudar”.

Quando compraram uma casa na cidade de Porangatu com o dinheiro de uma herança que Terezinha recebeu, ele não cessou enquanto não venderam. Houve uma vez, ela conta, que um homem queria dar um carro em troca da casa: “e ele falou, não mas ele já passou os documentos pra mim. Aí eu falei mas eu não assino porque a casa é no meu nome também”. Depois, se mudaram e tiveram que vender a casa, segundo ela, por “mixaria”. Receberam errado, venderam alguns móveis e outros deram para os vizinhos.

Primeiro foram para Conceição do Araguaia, no Pará. Ficaram lá alguns dias, alugaram uma casa perto de uma olaria onde um dos filhos chegou a trabalhar. Mas não ficaram muito tempo, logo Ronan levou a família para Redenção do Pará, sem saber que lá seria enterrado. Também seria por lá que a segunda filha, Vera Lúcia, firmaria as raízes que duram até hoje. Vera sempre teve um temperamento calmo, como das enfermeiras que não se deixam contaminar pelo desespero do paciente. Mesmo sem formação, acabou se infiltrando na área da saúde. Começou trabalhando na lojinha de um casal que, entre tantas outras mercadorias, também vendia remédios. Depois, um rapaz que tinha uma farmácia perto do hospital a chamou para trabalhar. E por fim, ela foi trabalhar no hospital.

Em Redenção, Vera conheceu seu marido, Zé Mario, do qual é divorciada hoje. Tiveram quatro filhos e ela adotou como suas outras duas filhas dele com outra mulher. Hoje, ela vive dividida. Passa um tempo em Redenção, com a família que criou, e um tempo em Goiânia, cuidando da mãe. Vera deve chegar mês que vem, mas enquanto não está aqui, é Terezinha quem se encarrega do almoço. Cozinhar não é seu ofício preferido, mas faz de bom grado o arroz, o feijão e a carne, sagrados. Às vezes frita uma banana ou corta um tomate para variar um pouco. Costuma chamar todos em casa para almoçar, e quando dizem que não, ela considera uma ofensa.

Mais do que respeito, os filhos têm grande admiração pela mãe. Apesar de ter ficado viúva tão cedo, nunca teve outro homem e talvez por isso tenha a imagem santificada por todos ao redor. Mas sem esforço, naturalmente, ela faz por onde. Sua postura condiz com o altar no qual a colocam. Possui a serenidade e calma de uma capricorniana e apesar de não compreender muitas coisas dos tempos atuais, não se acha no direito de julgar. Além de tudo, conserva até hoje o estilo clássico dos anos 50, usando apenas vestidos, sempre com as anáguas por baixo.

Quando Renan morreu, fazia quatro anos que moravam em Redenção. “Lá ele trabalhava em uma fazenda e o povo gostava muito dele. Era um sábado quando ele chegou em casa e na hora de deitar reclamou de dores no corpo. Aí eu falei, então amanhã você não vai trabalhar, vai consultar primeiro, tomar os remédios pra depois ir”, conta. No outro dia cedo ele foi ao hospital onde a filha trabalhava, onde o internaram, ainda com muitas dores.

“Mas lá não descobriram o que era, ele continuou passando mal e eu falei que se ele não melhorasse eu ia levar ele pra Conceição. Ele tinha um compadre que era conhecido e gostava muito da gente, que também era de Porangatu e até morou na nossa casa um tempo. E aí eu arrumei pra ele internar o Ronan em Conceição e fiquei cuidando da casa e dos meninos, três ainda eram pequenos. Mas depois eu deixei a Vera por conta, fiz tudo que tinha que fazer em casa e fui ficar com ele no hospital. Ele fez os exames e eu falei que se curasse eu deixaria ele lá, se não, ia trazer pra Goiânia”, relembra.

Em Conceição não havia laboratório próprio para fazer os exames mais detalhados, e a alternativa foi levá-lo para Goiânia. Foram num avião da fábrica que Ronan trabalhava, levados pelo gerente da fábrica. A internação seguiu a chegada e no outro dia, quando fizeram os exames, o resultado: câncer de fígado. Mesmo assim, ele não quis ficar para se tratar: “Ele quis ir embora de todo jeito por causa dos meninos que tinham ficado lá. Quis voltar e nós levamos um monte de remédio. Aí nós chegamos lá num domingo e ele morreu no sábado, durou uma semana só”.

Apesar da tristeza e da viuvez precoce, ela afirma que “foi melhor do que ficar sofrendo”. Ronan morreu aos 44 anos, pouco mais de um mês depois de sentir as dores naquele sábado. Depois de seu falecimento, a família ainda morou dois anos em Redenção do Pará. Ruremar, o filho mais velho, trabalhava dia e noite para ajudar a mãe a criar os irmãos e buscava a lenha para alimentar o fogão à lenha e a família. Ao fim dos dois anos, mudaram-se para Goiânia, onde Terezinha tinha família e onde moram até hoje. Ficou um tempo com um irmão, depois pagaram aluguel, ela costurava e lavava roupas para ganhar dinheiro. “Não era fácil”, ressalta. Os filhos também trabalhavam para ajudar, os mais velhos assumiam a responsabilidade pelos mais novos e no fim, mesmo em meio às dificuldades, nenhum deixou de estudar.

Ruremar foi o que menos estudou, devido à grande responsabilidade que assumiu com a morte do pai. Vera ficou por muito tempo na área da saúde. O terceiro filho, Paulo Silas, que tem seu nome graças à amizade entre os discípulos, virou contador. Ronildo foi farmacêutico mas abandonou o ofício antes da hora por insanidade mental. Rubens foi policial, guarda de trânsito, sempre sorridente e cheio de carisma, daqueles que conquistam todos ao redor. Parou de atuar depois de sofrer um acidente de moto e ser aposentado precocemente. Cláudia, a mais nova, apesar de ter recebido estudo diferenciado dos outros, em escola particular e adventista, escolheu se casar cedo e não deu muita sorte. Recentemente separou-se do marido para aparentemente viver o verdadeiro amor.

Depois do almoço, Terezinha cochila e quando acorda vai para o quintal ler a bíblia na cadeira branca do jardim. Há doze anos está na Igreja Universal, atraída por um programa de televisão. No início, ia às terças, na sessão do descarrego, até preferir algo mais calmo. Hoje frequenta a igreja aos domingos, todos, sem cessar. Sempre na unidade central, a catedral. Filhos e netos se alternam na missão de levá-la e buscá-la toda semana. Outro dia voltou de taxi e não acertava o caminho de casa, diz que não sabe o que aconteceu, simplesmente “deu branco”. O fato serviu de alerta para que não a deixem voltar sozinha mais.

Acredita que o filho largou o alcoolismo graças às suas orações. Como a casa inteira mata a sede no seu filtro de barro, costuma ungir a água e jogar dentro para que a família seja abençoada. No último domingo, o pastor ofereceu um papel para que os fieis listassem seus medos e os eliminassem por meio de uma campanha de oração. Terezinha rejeitou, sob o pretexto de “não tenho medo de nada”. De fato, 90 anos deve ser tempo suficiente para superar os medos. Ou para vivê-los, como ela viveu tantas mortes e viu tanta gente que amava ir embora.

Às 18h30 em ponto, fala sobre a beleza do sino que toca na igreja vizinha. Em seguida, espera o filho, Paulo, e a nora, Jaqueline, chegarem para conversarem no quintal. Com quase 30 anos de união, Terezinha mora com eles desde que se casaram. Quando foi propor à esposa que a levassem junto, Paulo disse: “se você me pedir para escolher entre você ou minha mãe, eu vou escolher você, mas tenha certeza de que nunca serei plenamente feliz”. Ela aceitou e desde então moraram em duas casas, as duas com um barracão no fundo para abrigar Terezinha, que faz o possível para nunca interferir na vida do casal. Se alguém contesta, Jaqueline logo rebate o estereótipo de sogra dizendo que a dela é diferente. E é.

Quando a lua surge no céu, mostra para mim, sua neta, a Estrela Dalva. Dizem que não se trata de uma estrela e sim de um planeta, Vênus - mesmo nome da deusa romana do amor. Todos os dias, dessa ou de outra maneira, ela aponta para o amor e me mostra o quanto brilha e clareia tudo ao redor. Minha vó é uma espécie de estrela, uma espécie de luz que carrega poesia em cada ruga. Sinto que herdei dela mais que o signo do zodíaco e uma parcela de calma, mas ainda não achei em mim a coragem que a fez ser o que é. Minha avó é a pessoa mais corajosa do mundo. E essa é uma história sobre o amor.




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