Goiânia, junho de 2013.

Publicado em 03/06/2013

De fato, sinto saudade. Principalmente de deitar no seu colo nas manhãs frias e te ouvir dizer que eu sou uma pessoa boa e mereço um grande amor, um amor foda, que suporte todos os meus mimos e me faça feliz de verdade. E das broncas carinhosas que você me dava porque eu nunca soube me valorizar. E dos cigarros antes das oito sempre repletos de poesia. Como você entendia minha urgência, Ana. Minha dor, minha vontade de viver dolorosamente e escrever a vida. E agora você está aí no seu apartamento, com sua máquina de escrever, com suas contas, seu emprego, seu fogão, seus livros prontos para serem publicados, mas nada seria suficiente se fosse a solidão. Seu homem está aí, o amor da sua vida, seu escritor. E vocês não dependem de mais nada a não ser da própria força e manter vivo o encanto é quase natural mesmo em meio ao peso do cotidiano. Vocês estão vacinados contra a razão, eu sei. As horas, o tempo, a rotina nunca serão capazes de driblar a nossa vontade de sentir e a nossa capacidade de fazê-lo. E pensando bem, talvez nós sejamos os verdadeiros heróis de nós mesmos, os sobreviventes, os fortes, porque nos recusamos a viver automaticamente e por isso o amor estará sempre vivo em nós.

Continuo sem talento, Ana. E ainda me falta tempo. Plena segunda-feira e eu tenho que cancelar compromissos para satisfazer o coração. Por isso é que preciso sair daqui, você sabe, ir para a Bahia, me descobrir, amar, enlouquecer pra depois ter pique pra ser capricorniana de novo. Adulta, responsável, filha única que sabe o peso que carrega nas costas e aceita a carga por amor. Te escrevo pela saudade, pela falta que me faz teu sorriso mas principalmente por não aguentar mais essa vontade de compartilhar a minha vida com você. Digo com você porque eu não o faria com qualquer pessoa. Há algum tempo, quando paro para refletir me vem tua imagem ao fundo e sinto vontade de te ligar, perguntar o que você acha de tudo. Quando a vontade é menos imediata, chego a planejar uma carta inteira, cada vírgula, no banho ou antes de dormir, mas me tornei especialista em deixar passar e fecho os olhos, desligo o chuveiro e permaneço gritando apenas por dentro.

Estou com alguém. Estou com alguém mesmo que isso seja muito pesado para o que vivo agora. Não faz muito tempo, mas já dormimos juntos algumas vezes e acho que finalmente encontrei um cobertor humano, que deita inteiro na minha cama e quando me abraça no meio da noite parece veludo. Quando o dia amanhece ele não me dá metade do que eu preciso e nossos encontros quase nunca passam de trinta minutos. Ficava em mim sempre uma sensação de vazio, de incompletude, que se transformava em raiva e depois intolerância, me obrigando a desistir. E eu desistia todos os dias mas nunca tinha coragem de verbalizar, cheguei a ensaiar algumas vezes mas disfarcei e mudei o rumo da conversa pois o apego era maior. E agora, Ana, acho que eu descobri um novo sentido em tudo. Há dois dias não penso em desistir e talvez agora eu esteja bem. Mesmo com toda ausência e com todo buraco que as horas e o silêncio cavam em mim, começo a pensar que a felicidade plena não é meu objetivo final. Vejo você dizer sobre o quanto está feliz ao lado do André e sobre sermos cegos ao pensarmos que a tristeza é bonita mas eu não quero ser plenamente feliz agora, Ana. E eu sei que você com toda sua sabedoria é quem sabe a única pessoa capaz de me entender. Eu quero essa falta, eu quero essa incompletude. Eu quero meu guerreiro chegando da guerra e eu tirando sua armadura e acariciando a pele e cuidando das feridas. Eu estou com alguém que não me faz feliz mas eu estou onde eu quero estar. Isso pareceria contraditório para qualquer pessoa do mundo, por essas e outras razões escrevo a você. Minha Ana, minha amiga. Tenho exercitado minha tolerância e até mesmo minha solidão. Eu estou com alguém que não me faz feliz e isso é libertador porque se a felicidade não partir de mim, ainda assim estarei confortável na minha tristeza. É disso que a gente vive, não é? Não é essa a nossa matéria prima, a tinta das nossas palavras?

Ainda não aprendi a tirar a faca do peito e nem a revisar textos. A urgência ainda fala mais alto. Resta-me pedir que exercite sua paciência e me perdoe pelos erros. Eu te amo.

Da sua,

Babi.


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