Publicado em 25/05/2017

Eu nunca soube o que é a dor da morte e continuo sem saber. O grau de tristeza das tragédias depende do quanto não esperamos por ela e vovó nos preparou bem demais para tudo. Anunciou de um jeito doce sua partida e se despediu de um por um. como nos despedimos. Graças à minha memória fraca, não me lembro exatamente do que falamos naquela segunda-feira além do gosto das comidas do hospital e como sua pressão havia se comportado na noite anterior. Quase desperdicei minha despedida. Cheguei a pedir papai que dissesse a ela que por conta do cansaço deixaria a visita para amanhã. Mas naquela tarde o sono não veio e tive medo de tê-la amado pouco, ou de pensar nisso quando ela fosse embora. Não tinha nada nas mãos além de amor e um doce de leite mineiro que comprei no aeroporto de Belo Horizonte. Também lembro de ter hesitado sobre o doce. Como ia dizendo, não sei de que assuntos falamos, mas lembro de caminharmos no corredor do hospital a passos lentos, ela com a mão sobre a minha, essa seria a última vez que eu andaria devagar. Andar correndo é um habito que até hoje só abandonei quando estive ao seu lado. nesse momento a cortina amarela balança com o vento e quando o sol movimenta as sombras dentro do quarto, chego a pensar que vovó está dançando ao meu lado enquanto falo sobre ela, mais uma vez. 

fragmento

Publicado em 24/05/2017

suspeito que o grande desafio do amor
seja evitar que a alegria se concentre em um único ponto

como a pinta nas suas costas
que poderia abrigar tudo que ainda hei de sorrir

mas dessa forma nos afastaríamos
da essência do sentimento

essa dispersão quase bêbada da euforia
que nos faz feliz no ocaso e na aurora
e em todos os instantes nos quais ingenuamente queremos morar

onde a arte não precisa ser uma fuga
onde o mel escorre indiscriminadamente
e mesmo no asfalto vislumbramos o mar

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