salvador, 03/12

Publicado em 03/12/2013

"por isso, caro senhor, ame sua solidão e suporte a dor que ela lhe causa com belos lamentos. pois os que são próximos do senhor estão distantes, é o que diz, e isso mostra que o espaço começa a se ampliar à sua volta. se o próximo está longe, então o que é distante vaga entre as estrelas, na imensidão. alegre-se com seu crescimento, para o qual não pode levar ninguém junto, e seja bondoso com aqueles que ficam para trás, seja seguro e tranquilo diante deles, sem perturbá-los com as suas dúvidas e nem assustá-los com uma confiança ou alegria que eles não poderiam compreender." rainer maria rilke

me livrei da única pessoa que burlava minha solidão aqui. e agora me sinto realmente livre da beleza aparente que me cegava para o resto das coisas bonitas que existem nesse lugar. compreendo, cada vez mais, que algumas belezas não me servem, ou não devem servir, e que a arrogância é o pior dos defeitos. tenho ainda três semanas antes de voltar para casa para restabelecer minhas forças e pela primeira vez desde que cheguei aqui, sinto que estou mergulhada em um certo equilíbrio. ainda não estabeleci uma rotina produtiva e nem creio que consiga alcançar isso até o fim, tenho dormido muito como fuga e meus horários não possuem nenhuma constância, sempre chego ao fim do dia sem ter feito metade do que deveria, mas tenho tentado ser razoável e não me punir por nada, aceitando tudo como parte de um crescimento inevitável que virá como resultado de todos os acertos e fracassos. tenho pesadelo quase todas as noites, mas nem isso diminui minha sonolência. noite passada acordei chorando às quatro da manhã após sonhar com a morte de meu pai e depois de passar algumas horas me recuperando, tratei de aproveitar meus últimos minutos de sono. como se voltar até lá constituísse um ato de coragem e eu estivesse disposta e preparada para enfrentar tudo novamente. quando voltei a dormir o pesadelo continuou, como se o ato de acordar e descobrir que se tratava de um sonho também fizesse parte do enredo. apesar dos pesadelos, do excesso de sono e das crises, que hora ou outra acabam aparecendo, sinto-me mais equilibrada e segura. estou cansada de salvador de uma forma física e espiritual, contudo não sinto o peso em meus ombros por uma simples questão de consciência. não quero que o tempo passe mais rápido, quero apenas que tudo aconteça como deve acontecer. me apropriei de uma paciência e serenidade que retirei de um lugar fundo dentro de mim até então desconhecido, e elas têm me ajudado a viver com calma minhas perguntas e não exigir que as respostas cheguem claras e certas, e sim na mesma lentidão que tenho experimentado dia após dia, sem perceber. parei de medir o que quer que seja em qualquer proporção que venha de fora para dentro, portanto os dias tem sido infinitos para o meu coração por mais que sejam muito curtos para quaisquer afazeres. ana me indicou outra leitura fantástica, e agora, além de anaïs, tenho também a companhia de rainer maria rilke, e de sua simplicidade expressa em cada carta de "cartas ao jovem poeta". de todas as pessoas que estão longe, ana é a que mais se faz presente, me tornando forte e me dando coragem nos momentos mais inusitados. sábado passado enquanto todos em casa dormiam, fui à praia sozinha porque ela me encorajou e conheci thaise, a garçonete que conversou comigo sobre livros. disse que preferia cigarro artesanal porque matava mais sua vontade e confessou que gostava de ler depois de chegar em casa e tomar seu banho, disse que lia sobre novelas e atores e perguntou do que se tratavam o livro e a revista que eu lia. sentou-se comigo na mesa algumas vezes nos intervalos e me contou sobre como gostava de conhecer pessoas novas e me pediu pra não ir embora tão cedo porque gostava de me ver ali sentada. estou orgulhosa por ter chegado até aqui e sei que ainda falta muito mas já posso afirmar que irei até o fim. afirmo não com a inocência de quem supõe prever o próprio futuro, mas com a força e a fé de quem insiste no que é difícil por saber que "o fato de uma coisa ser difícil tem de ser mais um motivo para fazê-la". a facilidade não me levará a nada, como a beleza vazia que deixei para trás. é preciso percorrer um caminho para chegar ao que é verdadeiramente belo, mesmo que no fim esse caminho apenas reforce a impressão inicial. sou adepta à simplicidade do amor e da beleza, mas tenho aprendido que por mais belo que algo pareça ser, para que sua beleza se concretize realmente, é necessário ir além do encantamento inicial e inocente. meu esforço é para que este momento não me sirva apenas como enfeite e que de fato se concretize em mim como parte integrante do meu ser e como algo que tornará minha vida, cada vez mais, verdadeiramente bela.

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