Acesso restrito


[escrito em 01/11/2016]

Hoje acordei me sentindo um corpo. Então me levantei ajoelhada como ensinava o colégio interno há seis anos e roguei para que meu espírito falasse mais alto porque aquele pequeno sussurro não era suficiente para fazer com que eu me sentisse mais do que uma carcaça. Escrever é tatear palmo a palmo o próprio buraco. Existe uma espécie de movimento circular em volta de cada ser humano, as coisas entram e saem o tempo todo. Por isso tem gente correndo no asfalto à uma da tarde. Por isso, nesse exato momento alguém compõe uma canção.

Na casa onde cresci havia uma cisterna de onde os adultos sempre nos diziam para manter distância e era tão inútil porque pulávamos em cima dela inocentemente ignorando os riscos que sequer conhecíamos. E fazíamos isso com a alegria e a aventura de quem quebra um protocolo. É engraçado como quase sempre o medo envelhece conosco, ele cresce, toma forma e passa a ser o único filtro entre o fazer e o não fazer. Naquela época eu pulava na tampa de cimento e agora, agora a impressão é de que estou dando voltas sem nunca pisar em qualquer lugar que possa desabar. Olho para dentro e vejo cones unidos por fitas zebradas e uma placa gigante de acesso restrito.

Devo ter me apegado ao ditado que diz que não podemos nos proteger dos outros e sim da nossa própria dor. Mas insisto, insisto e acordo às cinco voluntariamente e repito até perder a conta que - eu não vim até aqui para me silenciar. Cresci tanto no último ano que não sei onde minha criança foi parar, posso avistá-la brincando do lado de fora de mim. Estou rígida e tenho seis planetas em capricórnio. Minhas mãos sangram e só consigo ignorar. Eu não vim até aqui para fugir. Faz poucos dias, eu dizia, com os pés descalços e um microfone na boca, que nada estará perdido enquanto houver um único suspiro em nome do amor. É preciso não esquecer isso, mesmo quando faltar amor e ar. Só assim estaremos a salvo.

Eu não cheguei aqui para me esconder atrás do silêncio.

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