expurgação

Publicado em 03/09/2014

amo pelo mesmo motivo que erro tantos caminhos. amo porque insisto. erro porque teimo em continuar. continuar e continuar até depois do fim. não fosse assim eu não teria perdido o medo. nem saberia que é possível voltar e seguir o fluxo, embora seguir o fluxo seja um grande pecado que cometemos contra a vida. já nasci cansada dessa alegria meia-boca que a gente é obrigado a sentir porque está vivo. por isso invento amores, e me entrego ao que não conheço sem delongas e protocolos. sem o medo que perdi nos dos caminhos que errei.

preciso dizer a vida em voz alta. tenho um microfone sempre à minha espera, um microfone que não mata a sede de falar porque no jornalismo a gente perde tanto tempo dizendo o que não se quer que não sobra um minuto pra falar o que se tem vontade. escrevo porque quando alguém lê, a palavra entra pelos olhos tão alta quanto o grito dos desesperados. depois fulano vai falar que se sentiu tocado. é claro que sim. quem é que não se identifica com a crua realidade? não há nada mais bonito e mais cortante do que a verdade e é por isso que falo de tristeza, porque uma lágrima que cai dos olhos é o ato mais verdadeiro. e esse desespero infindável do homem só acaba com a morte (amém).

não basta simplesmente amar o que não conheço, preciso, sobretudo hoje, dizer sobre. a textura da pele que nunca toquei, o cheiro entre a orelha e o ombro que nunca senti. a boca, seca ou molhada. a língua que caminhará ou não nas nuvens do meu céu. tudo isso deve entrar na poesia, toda pessoa nova deve ser recebida com poesia. e aí eu viro vassala de novo, ofereço lealdade ao senhor amor sem garantia de troca. corro como um cão faminto e minha fome assusta até a mim. euforia compartilhada, repito, euforia compartilhada. o mapa da rota de fuga nos olhos de alguém. nos seus?

choveu. hoje o cheiro de chuva não foi ilusório. mas o chão molhado ainda não deu fim ao ar abafado da solidão. chega o fim do dia e eu já dei todas as notícias mas o coração continua pesado. as lentes cansadas quase pulam sozinhas para fora dos olhos e eu quase permito porque me cansa tanta nitidez. quero, mais do que a miopia, a cegueira que a gente só adquire na cama, quando sentir vale mais do que ver. quero te esperar das viagens e te contar que não falo inglês mas toco pandeiro como ninguém. e percorrer com você todos os hotéis da cidade, fumando todos os cigarros em todas as sacadas. e sentir o novo, de novo. mesmo que você não ache tão importante assim se sentir tocada. quase gosto desse amor involuntário que nasce com a vontade e antes de qualquer confirmação. toda escolha é sempre um risco que se corre. e se você for mais um caminho errado, que pelo menos eu te percorra até depois do fim. 

Marcadores