carne da minha carne

Publicado em 22/06/2014

volto a escrever uma carta depois de tanto tempo me concentrando na poesia. minha descrença vem da ideia de que qualquer tipo de prosa é um conjunto de explicações e justificativas íntimas demais para despertarem em alguém o desejo de serem lidas. mas afinal, nem todos os escritos são, em essência, para serem lidos. alguns, como esse, não passam de salvação para quem os escreve. creio que a aproximação está cada vez mais rara, quanto mais o interesse por aquilo que é tão particular. mas no auge de meu egoísmo e desespero te escrevo para dizer que passei a tarde em exercício doloroso de tentar desvendar teu silêncio. escrevo também para dizer que estou aí, não aqui. sei, muito antes daquela manhã, muito antes de sentí-lo bater no meu peito direito, sobre a bondade do teu coração. reconheço o valor do teu sorriso muito antes de querer que fosse nosso e querer que fosse nós a causa da tua alegria. "ah, quem me dera eu pudesse ser a tua primavera". não me interessa mais ser a causa de nada, contanto que sorrias como quando beijei tua barriga. contanto que sorrias todos os dias, tão natural quanto tua beleza. e se voltares atrás, nada farei. nada farei pois não há nada que alcance o livre arbítrio humano. queria ser eu silêncio, calma, e tudo mais quanto exigisses de mim. queria ficar em meu canto, calada, contemplando em paz a espera. mas sou esse desespero, essas tantas palavras, essa sede por um sinal de vida teu, por um carinho teu. "sou louca por você" tenho dito todos os dias. a verdade é que te quero com toda minha lucidez, nua e vestida. quero que seu coração despido me aqueça feito fogo que nasce do atrito entre dois corpos. e que o meu coração quente nunca te deixe sentir frio. mas há ainda o mistério, o tempo que não passa, e essas distâncias nunca medidas com exatidão. nada posso fazer senão te esperar com a calma que não possuo, com a saudade que corta e dói. desejei até que secasse meu sangue, porque o amor que sangra por dentro dói mais do que todas as feridas. mas vou deixar que corra tudo, a corrente sanguínea, a vida, os nossos destinos, que quiçá se entrelaçarão no final. não se vista de nada, seja meu amor nu, no topo do mundo, a ler meu corpo. enquanto te escrevo em silêncio poemas como esse:

no topo do mundo
ela lia meu corpo
e eu absorvia
sua língua, seu mel

no alto, mais alto
minhas curvas em braile
cheiro de fôlego
e gosto de céu

o mundo era nós
e tudo era nosso
a vida restrita
a um quarto de hotel

sei que o topo do mundo é estreito, e que do alto mais alto sei cai. mas confia em mim como confio em ti. me abraça forte, me beija, me afaga. me embrulha em tua pele. e não se esqueça, sou contigo, estou contigo. só assim permaneceremos n'altura das nuvens e o alimento do amor será também o alimento da vida que queremos levar. 

com amor e saudade,
da sua.

desilusão

Publicado em 09/06/2014

sedativo eficiente
cala aquele que sente
e que veste na boca
camisa de força
mas continua a sentir

te espero

Publicado em 27/05/2014

te espero desde que meu corpo derretia sob o colchão no chão de madeira do apartamento em salvador. desde que te re-conheci desenho suas curvas em pensamento como uma luz rasgando esse abismo pesado e escuro que é a vida às vezes. coragem. para admitir que hoje ainda não te esqueci. amanhã, quem sabe. ou depois. e os pés, os caminhos e os cheiros sozinhos. acho que me dou bem com a solidão. planejei nossa vida inteira no caminho da minha casa até o bar. planejei paris e planejei estudar menos e produzir menos para ser sua por mais tempo embora eu seja sua o tempo inteiro desde que meu corpo derretia. pensei em abdicar da arte em prol do amor e diminuir o passo para você me acompanhar. pecado mortal, desperdício, será? o mundo não precisa de mais amores falidos. quero que você me perca como me perdi todas as vezes em que desisti de viver porque a vida sem você não tinha graça. quero que você me perca hoje, agora, pra sempre.
Publicado em 27/05/2014

mesmo apanhando
o coração bate
no corpo inteiro

Publicado em 20/04/2014

ouço tchaikovsky
antes de dormir
mas nem isso me salva
de acordar sem ar nesses dias
em que o coração lateja ao invés de bater.
e eu abro os olhos
e fecho imediatamente
porque ainda não estou pronta
para encarar minha ruína.
minha ruína de signo forte e cabelos longos
que está indo embora
para dar lugar a outra
de olhos ainda mais claros
me olhando transparentes sob o sol
e vendo em mim toda a pequenez humana,
todo o medo de quem se sabe vulnerável
pelo imenso e fraco coração.

sou pequena perto do que sinto.

abril

Publicado em 01/04/2014

minha urgência de amor é tão grave quanto a urgência que tenho de silêncio e solidão. torço pelos erros dos outros, para que o pior venha sempre à tona, para as grandes decepções. gosto de brincar com defeitos e infidelidades, perdoá-los como se fosse Deus e oferecer sempre a ternura como retribuição. quanto maior o desprezo, mais me humilho, mais insisto no nada. aceito almas vazias como papeis em branco que tento preencher e não tenho vergonha da minha loucura. me acho tão louca quanto o homem que gritava sozinho no mar de ondina. não, não tenho vergonha do meu descontrole e deveras rio da inconstância que me consome. vivo entregue às emoções e meu coração nunca estará vazio, porém lamento o fato de que a carne tem sido o centro de tudo. peles macias são motivos para minhas tragédias. durmo sufocada pelas palavras que não digo porque me acho incapaz de dizer. sou uma péssima escritora, uso a poesia para me ajudar a construir fracassos e narrá-los depois. faço declarações de amor para que as pessoas se sintam amadas, é para isso que estou aqui. meus perdões às vezes são tão falsos porque não há o que perdoar, certas traições não me comovem justamente por serem tão previsíveis. finjo, finjo muito que sou frágil e que vou morrer caso alguém vá embora, mas minha morte não dura mais do que um dia, essas paixões não valem mais que isso. me sinto tocada por tudo, pelas flores do caminho, pelo sol e pelo corpo que dorme junto ao meu, mas pouquíssimas coisas  chegam verdadeiramente em minhas entranhas. sim, eu estou por baixo, nunca por cima, nunca no poder, sempre implorando por amores impossíveis. não me acho melhor do que a pior pessoa do mundo. dou tantas chances aos outros que para mim só sobra a rigidez, o julgo, a culpa; por isso quando sou traída me sinto menos só, menos condenada. admiro os erros como parte fundamental do que me atrai no ser humano. sou a vítima e ao mesmo tempo o observador nefasto dentro de um grande experimento divino e não ligo se riem da minha cara, eu rio ainda mais porque toda as situações às quais me sujeito são escolhas conscientes. no fundo, meus buracos são rasos ao ponto de que eu possa sair correndo quando quiser. estou fugindo de novo e só alguém com o coração tão pesado quanto o meu poderá me alcançar. e nossos pesos se afundarão juntos em uma cova porque o amor também é morte, mas viverão antes, viveremos, enquanto a parte viva do amor ainda se fizer presente. sei bem sobre o tamanho da tolice dos meus sonhos, sei que falando assim esperançosa pareço mesmo cega e é exatamente o que tenho desejado nos últimos dias, perder os sentidos. o sono tem sido um grande alento e por isso continuo, agora mais do que nunca, rogando por força e paciência para abrir os olhos e levantar da cama todos os dias.
Publicado em 14/02/2014

meu grande homem
você foi um tapa na cara
quando eu não esperava
mais nada de salvador
Publicado em 09/02/2014

de tudo
o que de mais precioso
a distancia me tirou
foi a possibilidade
de amar calada.

de longe,
os toques só são ditos
os beijos são falados
e o afago só existe
na e pela palavra.

se me falta inspiração,
um encontro a menos.
somos dois corpos
ainda mais afastados.

15

Publicado em 05/02/2014

tempo não se arraste tanto
só quando eu lhe disser
voa feito passarinho
deixa viva a minha fé

mande forças para ela
que já nem sei onde está
faça das minhas palavras
abraços a lhe afagar

beija suas mãos por mim
finge que não foi você
deixa meu cheiro no ar
e diga que eu fui lhe ver

tempo quando isso passar
ah, eu vou lhe agradecer
ah, eu vou lhe perdoar
por que

fosse a pressa em teu lugar
íamos desfalecer
íamos nos afogar

nos ver passar
sem respirar
tampouco amar
nem mesmo ser

sem ver.

13

Publicado em 03/02/2014

na escuridão da noite
céu e mar se confundem
sinto vontade de me misturar
nadar, nadar e nadar
até o limite do firmamento
pois cada vez que desapareço sozinha
é quando me torno realmente forte.
como é fácil fugir dos outros.
quanto a mim, não sei o que é pior,
fugir ou me enfrentar

17

Publicado em 28/01/2014

costumava me perguntar
quando deitávamos na cama
no que é que eu estava pensando

eu aumentava a força do abraço
e sorria, achando graça de tudo aquilo
era bonito saber que só o corpo não bastava

primeiro vinha o medo,
medo de perdê-la, medo de que passasse.

depois vinham os planos,
quero me casar com essa mulher, pensava,
para tê-la comigo assim todos os dias.

em seguida, a beleza.
como é lindo esse momento, essas curvas
esse cheiro e nossos corpos tão juntos.

(a gratidão não poderia faltar,
aprendi desde cedo a ser grata
por tudo que provoca riso,
e cada vez que ela respirava, uma dádiva,
me sentia quase indigna de tal presente)

pensava tudo isso,
não necessariamente nessa ordem.
e outras coisas também.
mas havia sempre um momento
em que a entrega era tão grande
que os pensamentos despareciam
evaporavam, esvaiam,
se dissipavam no meio de nós.

e era justamente nessa hora,
em que eu parecia tão distante
que ela me perguntava.
mas

como é que eu ia dizer?

então eu só dizia
nada, não estou pensando em nada

e ela nem desconfiava
do caminho percorrido
para chegar até ali

28

Publicado em 16/01/2014

a distância enfim nos alcançou
não pela primeira, nem pela última
vezenquando a vida há de nos afastar
para além do corpo físico

e para achar o caminho de volta
teremos que nos tatear no escuro
e quiçá nos agarrarmos desesperadamente

como quem tem
medo-pânico-pavor
não de perder o outro
mas de perder a si próprio

só sua respiração,
o barulho da sua respiração
despido de silêncio e roupa
anunciará o reencontro

e eu vou quebrar a calma
vou bater na sua cara,
vou cuspir na sua cara,
quando gritar em tom ensurdecedor
que não, eu não vou desistir de nós

31

Publicado em 13/01/2014

quero que tua língua me molhe
tal qual onda desvirginando 
a secura dos meus pés

que tu entres em mim
como o movimento das águas
enterrando meus dedos na areia

que alternes entre calma e violência
mas nunca deixes de vir
me pegando assim despreparada

amor,
sozinha eu não consigo
sozinha eu só consigo ser só

32

Publicado em 13/01/2014

há uma estrela brilhantereluzindo em seus cabelos.
me aproximo,
os vaga-lumes voam.

33

Publicado em 11/01/2014

assumo minha identidade
minha sina
minha obsessão

escrever

sozinha
tento reconhecer
a realidade
que me chega tão distante

aqui nada acontece
a chuva não cai
a música não toca
quase não existo
existo onde você está

sua boca molhada em preto e branco
eu, você, os barcos da ribeira
seu corpo, silhueta da lua
quase me sinto real

ao telefone, mamãe deseja lembranças
mal sabe ela
me lembro até do que não vivi

34

Publicado em 10/01/2014

vencerá
o verbo
a batalha feroz contra a carne?

ou cairá
exausto
diante do desejo imediato
e da insuficiência do dizer?

minha palavra
cansada
(de se deitar em tantas camas)
quer dormir
(e acordar com você)

que me transborde poesia
onde lhe falta

que nos transforme, a poesia,
em nuvem alta

35

Publicado em 09/01/2014

ouço seu coração, uma bomba-relógio,
pronto para me descartar em explosão.
o barulho das horas incomoda.
não quero ser escombro
da sua catástrofe remediável.
eu quero ser a causa, a culpa,
o desastre em si.

36

Publicado em 08/01/2014

passei o dia longe de mim
porque se me aproximasse
me aproximaria de ti
e o combinado é mantermos distância

a eternidade é uma sucessão

Publicado em 28/12/2013

estou caindo da cama, mas me agarro firme com a coragem e a fé que me restam. forço o lençol com as unhas, inclino o corpo para cima do colchão e imploro, quase em forma de prece, para que ela não me deixe cair, para que segure minha mão e me abrace e me puxe para perto de si. mas ela dorme profundamente e minha prece silenciosa não a alcança. apenas quando o sol nasce, ela desperta de seus sonhos distantes e me beija com calma e doçura. enxugo o suor, disfarço o cansaço, como se estar ali não exigisse esforço algum. assumo o papel de duas forças distintas. metade quer uma paisagem ímpar, um ângulo único, o per ten ci men to. o resto se contenta em apreciar e sentir toda beleza que se revela aos olhos como uma dádiva. aceito. aceito sorrindo, aceito feliz, aceito dançando pela sala. dia após dia decido continuar por saber que todas as coisas realmente grandes são formadas por uma infinidade de pequenas, minúsculas, imperceptíveis coisas.

"Eternidade não era a quantidade infinitamente grande que se desgastava, mas a eternidade era a sucessão. Então Joana compreendia subitamente que na sucessão encontrava-se o máximo de beleza, que o movimento explica a forma e na sucessão também se encontrava a dor porque o corpo era mais lento que o movimento de continuidade ininterrupta." - Clarice Lispector em Perto do Coração Selvagem

" Que as palavras que eu falo não sejam ouvidas como prece e nem repetidas com fervor, apenas respeitadas como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimentos." Oswaldo Montenegro

Publicado em 22/12/2013

Deus, por que é que as coisas continuam acontecendo dentro de mim? Enquanto o mundo lá fora dorme e as pessoas se movimentam inertes a si mesmas, sem reação, o coração como uma máquina, eu ando na chuva com o sapato dentro da mochila e penso a cada passo em coisas que não deveria pensar, penso em quem nunca tocarei novamente. Penso com ternura, quero que a ternura tome conta de mim e quero mostrar o quanto é bonito. Preciso compartilhar com urgência a beleza das coisas que sinto e vejo, por isso chego assim como quem bate na porta do desconhecido totalmente nu e recebe como única reação a porta batendo forte e se fechando de novo, após uma pequena abertura, após fitar rapidamente os olhos assustados que eu quereria amar. 

Energia desperdiçada com os últimos amores. Muita energia desperdiçada. Eu não caibo em nenhum deles, nenhum consegue me compreender. Falta percorrer o caminho, falta entender a importância das palavras. Metade de mim é palavra.  

Amanhã o mar chorará de manhã, pegarei o primeiro avião depois que o sol nascer e a ausência de meu amor, esse amor que aprendi a sentir por Salvador, será sentida. Os sentimentos mudam a cada chegada e partida e não estou mais ansiosa, apenas a saudade de casa me faz querer sair daqui. 

"Porque metade de mim é abrigo
E a outra metade é cansaço"

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