abril

Publicado em 01/04/2014

minha urgência de amor é tão grave quanto a urgência que tenho de silêncio e solidão. torço pelos erros dos outros, para que o pior venha sempre à tona, para as grandes decepções. gosto de brincar com defeitos e infidelidades, perdoá-los como se fosse Deus e oferecer sempre a ternura como retribuição. quanto maior o desprezo, mais me humilho, mais insisto no nada. aceito almas vazias como papeis em branco que tento preencher e não tenho vergonha da minha loucura. me acho tão louca quanto o homem que gritava sozinho no mar de ondina. não, não tenho vergonha do meu descontrole e deveras rio da inconstância que me consome. vivo entregue às emoções e meu coração nunca estará vazio, porém lamento o fato de que a carne tem sido o centro de tudo. peles macias são motivos para minhas tragédias. durmo sufocada pelas palavras que não digo porque me acho incapaz de dizer. sou uma péssima escritora, uso a poesia para me ajudar a construir fracassos e narrá-los depois. faço declarações de amor para que as pessoas se sintam amadas, é para isso que estou aqui. meus perdões às vezes são tão falsos porque não há o que perdoar, certas traições não me comovem justamente por serem tão previsíveis. finjo, finjo muito que sou frágil e que vou morrer caso alguém vá embora, mas minha morte não dura mais do que um dia, essas paixões não valem mais que isso. me sinto tocada por tudo, pelas flores do caminho, pelo sol e pelo corpo que dorme junto ao meu, mas pouquíssimas coisas  chegam verdadeiramente em minhas entranhas. sim, eu estou por baixo, nunca por cima, nunca no poder, sempre implorando por amores impossíveis. não me acho melhor do que a pior pessoa do mundo. dou tantas chances aos outros que para mim só sobra a rigidez, o julgo, a culpa; por isso quando sou traída me sinto menos só, menos condenada. admiro os erros como parte fundamental do que me atrai no ser humano. sou a vítima e ao mesmo tempo o observador nefasto dentro de um grande experimento divino e não ligo se riem da minha cara, eu rio ainda mais porque toda as situações às quais me sujeito são escolhas conscientes. no fundo, meus buracos são rasos ao ponto de que eu possa sair correndo quando quiser. estou fugindo de novo e só alguém com o coração tão pesado quanto o meu poderá me alcançar. e nossos pesos se afundarão juntos em uma cova porque o amor também é morte, mas viverão antes, viveremos, enquanto a parte viva do amor ainda se fizer presente. sei bem sobre o tamanho da tolice dos meus sonhos, sei que falando assim esperançosa pareço mesmo cega e é exatamente o que tenho desejado nos últimos dias, perder os sentidos. o sono tem sido um grande alento e por isso continuo, agora mais do que nunca, rogando por força e paciência para abrir os olhos e levantar da cama todos os dias.
Publicado em 14/02/2014

meu grande homem
você foi um tapa na cara
quando eu não esperava
mais nada de salvador
Publicado em 09/02/2014

de tudo
o que de mais precioso
a distancia me tirou
foi a possibilidade
de amar calada.

de longe,
os toques só são ditos
os beijos são falados
e o afago só existe
na e pela palavra.

se me falta inspiração,
um encontro a menos.
somos dois corpos
ainda mais afastados.

15

Publicado em 05/02/2014

tempo não se arraste tanto
só quando eu lhe disser
voa feito passarinho
deixa viva a minha fé

mande forças para ela
que já nem sei onde está
faça das minhas palavras
abraços a lhe afagar

beija suas mãos por mim
finge que não foi você
deixa meu cheiro no ar
e diga que eu fui lhe ver

tempo quando isso passar
ah, eu vou lhe agradecer
ah, eu vou lhe perdoar
por que

fosse a pressa em teu lugar
íamos desfalecer
íamos nos afogar

nos ver passar
sem respirar
tampouco amar
nem mesmo ser

sem ver.

13

Publicado em 03/02/2014

na escuridão da noite
céu e mar se confundem
sinto vontade de me misturar
nadar, nadar e nadar
até o limite do firmamento
pois cada vez que desapareço sozinha
é quando me torno realmente forte.
como é fácil fugir dos outros.
quanto a mim, não sei o que é pior,
fugir ou me enfrentar

17

Publicado em 28/01/2014

costumava me perguntar
quando deitávamos na cama
no que é que eu estava pensando

eu aumentava a força do abraço
e sorria, achando graça de tudo aquilo
era bonito saber que só o corpo não bastava

primeiro vinha o medo,
medo de perdê-la, medo de que passasse.

depois vinham os planos,
quero me casar com essa mulher, pensava,
para tê-la comigo assim todos os dias.

em seguida, a beleza.
como é lindo esse momento, essas curvas
esse cheiro e nossos corpos tão juntos.

(a gratidão não poderia faltar,
aprendi desde cedo a ser grata
por tudo que provoca riso,
e cada vez que ela respirava, uma dádiva,
me sentia quase indigna de tal presente)

pensava tudo isso,
não necessariamente nessa ordem.
e outras coisas também.
mas havia sempre um momento
em que a entrega era tão grande
que os pensamentos despareciam
evaporavam, esvaiam,
se dissipavam no meio de nós.

e era justamente nessa hora,
em que eu parecia tão distante
que ela me perguntava.
mas

como é que eu ia dizer?

então eu só dizia
nada, não estou pensando em nada

e ela nem desconfiava
do caminho percorrido
para chegar até ali

28

Publicado em 16/01/2014

a distância enfim nos alcançou
não pela primeira, nem pela última
vezenquando a vida há de nos afastar
para além do corpo físico

e para achar o caminho de volta
teremos que nos tatear no escuro
e quiçá nos agarrarmos desesperadamente

como quem tem
medo-pânico-pavor
não de perder o outro
mas de perder a si próprio

só sua respiração,
o barulho da sua respiração
despido de silêncio e roupa
anunciará o reencontro

e eu vou quebrar a calma
vou bater na sua cara,
vou cuspir na sua cara,
quando gritar em tom ensurdecedor
que não, eu não vou desistir de nós

31

Publicado em 13/01/2014

quero que tua língua me molhe
tal qual onda desvirginando 
a secura dos meus pés

que tu entres em mim
como o movimento das águas
enterrando meus dedos na areia

que alternes entre calma e violência
mas nunca deixes de vir
me pegando assim despreparada

amor,
sozinha eu não consigo
sozinha eu só consigo ser só

32

Publicado em 13/01/2014

há uma estrela brilhantereluzindo em seus cabelos.
me aproximo,
os vaga-lumes voam.

33

Publicado em 11/01/2014

assumo minha identidade
minha sina
minha obsessão

escrever

sozinha
tento reconhecer
a realidade
que me chega tão distante

aqui nada acontece
a chuva não cai
a música não toca
quase não existo
existo onde você está

sua boca molhada em preto e branco
eu, você, os barcos da ribeira
seu corpo, silhueta da lua
quase me sinto real

ao telefone, mamãe deseja lembranças
mal sabe ela
me lembro até do que não vivi

34

Publicado em 10/01/2014

vencerá
o verbo
a batalha feroz contra a carne?

ou cairá
exausto
diante do desejo imediato
e da insuficiência do dizer?

minha palavra
cansada
(de se deitar em tantas camas)
quer dormir
(e acordar com você)

que me transborde poesia
onde lhe falta

que nos transforme, a poesia,
em nuvem alta

35

Publicado em 09/01/2014

ouço seu coração, uma bomba-relógio,
pronto para me descartar em explosão.
o barulho das horas incomoda.
não quero ser escombro
da sua catástrofe remediável.
eu quero ser a causa, a culpa,
o desastre em si.

36

Publicado em 08/01/2014

passei o dia longe de mim
porque se me aproximasse
me aproximaria de ti
e o combinado é mantermos distância

a eternidade é uma sucessão

Publicado em 28/12/2013

estou caindo da cama, mas me agarro firme com a coragem e a fé que me restam. forço o lençol com as unhas, inclino o corpo para cima do colchão e imploro, quase em forma de prece, para que ela não me deixe cair, para que segure minha mão e me abrace e me puxe para perto de si. mas ela dorme profundamente e minha prece silenciosa não a alcança. apenas quando o sol nasce, ela desperta de seus sonhos distantes e me beija com calma e doçura. enxugo o suor, disfarço o cansaço, como se estar ali não exigisse esforço algum. assumo o papel de duas forças distintas. metade quer uma paisagem ímpar, um ângulo único, o per ten ci men to. o resto se contenta em apreciar e sentir toda beleza que se revela aos olhos como uma dádiva. aceito. aceito sorrindo, aceito feliz, aceito dançando pela sala. dia após dia decido continuar por saber que todas as coisas realmente grandes são formadas por uma infinidade de pequenas, minúsculas, imperceptíveis coisas.

"Eternidade não era a quantidade infinitamente grande que se desgastava, mas a eternidade era a sucessão. Então Joana compreendia subitamente que na sucessão encontrava-se o máximo de beleza, que o movimento explica a forma e na sucessão também se encontrava a dor porque o corpo era mais lento que o movimento de continuidade ininterrupta." - Clarice Lispector em Perto do Coração Selvagem

" Que as palavras que eu falo não sejam ouvidas como prece e nem repetidas com fervor, apenas respeitadas como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimentos." Oswaldo Montenegro

Publicado em 22/12/2013

Deus, por que é que as coisas continuam acontecendo dentro de mim? Enquanto o mundo lá fora dorme e as pessoas se movimentam inertes a si mesmas, sem reação, o coração como uma máquina, eu ando na chuva com o sapato dentro da mochila e penso a cada passo em coisas que não deveria pensar, penso em quem nunca tocarei novamente. Penso com ternura, quero que a ternura tome conta de mim e quero mostrar o quanto é bonito. Preciso compartilhar com urgência a beleza das coisas que sinto e vejo, por isso chego assim como quem bate na porta do desconhecido totalmente nu e recebe como única reação a porta batendo forte e se fechando de novo, após uma pequena abertura, após fitar rapidamente os olhos assustados que eu quereria amar. 

Energia desperdiçada com os últimos amores. Muita energia desperdiçada. Eu não caibo em nenhum deles, nenhum consegue me compreender. Falta percorrer o caminho, falta entender a importância das palavras. Metade de mim é palavra.  

Amanhã o mar chorará de manhã, pegarei o primeiro avião depois que o sol nascer e a ausência de meu amor, esse amor que aprendi a sentir por Salvador, será sentida. Os sentimentos mudam a cada chegada e partida e não estou mais ansiosa, apenas a saudade de casa me faz querer sair daqui. 

"Porque metade de mim é abrigo
E a outra metade é cansaço"

violentar-se

Publicado em 17/12/2013

eu quero que você me engula
mas antes, mastiga minha alma
crava os dentes com força na minha pele
na parte mais suja e humana de mim

me massacra, me tritura, me  degusta
me dissolve na sua saliva
e sente na língua a textura dos meus medos
o furor das minhas vontades
e o amargo da minha solidão

até que dentro de você eu me torne
essa bola indigesta que sou
e se você não me botar pra fora
não me expulsar, não me vomitar
até sentir o gosto da bile na garganta

eu fico

eu fico e estanco o sangue que jorra
do pedaço que você arrancou
eu fico e viro água com açúcar
pra tirar o gosto ruim da sua boca
toda vez que eu te beijar

salvador, 09/12

Publicado em 09/12/2013

ontem foi o dia em que fiz as pazes com salvador. chorei e pela primeira vez não senti vontade de ir embora daqui enquanto chorava, porque a tristeza estava em qualquer lugar menos na culpa que eu atribuía à cidade. tudo está e sempre esteve dentro de mim, o ódio, a gratidão, os pesadelos dos quais me livrei essa semana. e essa inquietude, essa sede e esse desgosto que tem exigido uma paciência e uma flexibilidade que francamente, não possuo. tenho sido severa e intolerante comigo, ontem senti vontade de abandonar meu corpo ao perceber que me tornei alguém que eu não queria ser, alguém de quem não sinto orgulho. tenho medo ao pensar em voltar ao mesmo lugar da mesma forma que saí, mas ainda bem que há tempo. "sempre há tempo" é o que tenho dito para viver os dias com calma e encontrar a paz. a mesma paz silenciosa que aparece depois dos furacões e se instala como se nada tivesse sido devastado. uma tempestade ainda acontece dentro de mim e eu não sei o que sobrará do que um dia fui. talvez essa tempestade dure a vida inteira e até meu último sopro seja um furacão, mas o que desejo é a constante reconstrução e força, muita força para deixar para trás o que for necessário. às vezes é preciso apropriar-se da posição de observador, de investigador de si, e olhar para os fatos sem culpa e com frieza. se não for assim, não há quem consiga permanecer em pé sem ser derrubado pelo peso do passado. 

salvador, 03/12

Publicado em 03/12/2013

"por isso, caro senhor, ame sua solidão e suporte a dor que ela lhe causa com belos lamentos. pois os que são próximos do senhor estão distantes, é o que diz, e isso mostra que o espaço começa a se ampliar à sua volta. se o próximo está longe, então o que é distante vaga entre as estrelas, na imensidão. alegre-se com seu crescimento, para o qual não pode levar ninguém junto, e seja bondoso com aqueles que ficam para trás, seja seguro e tranquilo diante deles, sem perturbá-los com as suas dúvidas e nem assustá-los com uma confiança ou alegria que eles não poderiam compreender." rainer maria rilke

me livrei da única pessoa que burlava minha solidão aqui. e agora me sinto realmente livre da beleza aparente que me cegava para o resto das coisas bonitas que existem nesse lugar. compreendo, cada vez mais, que algumas belezas não me servem, ou não devem servir, e que a arrogância é o pior dos defeitos. tenho ainda três semanas antes de voltar para casa para restabelecer minhas forças e pela primeira vez desde que cheguei aqui, sinto que estou mergulhada em um certo equilíbrio. ainda não estabeleci uma rotina produtiva e nem creio que consiga alcançar isso até o fim, tenho dormido muito como fuga e meus horários não possuem nenhuma constância, sempre chego ao fim do dia sem ter feito metade do que deveria, mas tenho tentado ser razoável e não me punir por nada, aceitando tudo como parte de um crescimento inevitável que virá como resultado de todos os acertos e fracassos. tenho pesadelo quase todas as noites, mas nem isso diminui minha sonolência. noite passada acordei chorando às quatro da manhã após sonhar com a morte de meu pai e depois de passar algumas horas me recuperando, tratei de aproveitar meus últimos minutos de sono. como se voltar até lá constituísse um ato de coragem e eu estivesse disposta e preparada para enfrentar tudo novamente. quando voltei a dormir o pesadelo continuou, como se o ato de acordar e descobrir que se tratava de um sonho também fizesse parte do enredo. apesar dos pesadelos, do excesso de sono e das crises, que hora ou outra acabam aparecendo, sinto-me mais equilibrada e segura. estou cansada de salvador de uma forma física e espiritual, contudo não sinto o peso em meus ombros por uma simples questão de consciência. não quero que o tempo passe mais rápido, quero apenas que tudo aconteça como deve acontecer. me apropriei de uma paciência e serenidade que retirei de um lugar fundo dentro de mim até então desconhecido, e elas têm me ajudado a viver com calma minhas perguntas e não exigir que as respostas cheguem claras e certas, e sim na mesma lentidão que tenho experimentado dia após dia, sem perceber. parei de medir o que quer que seja em qualquer proporção que venha de fora para dentro, portanto os dias tem sido infinitos para o meu coração por mais que sejam muito curtos para quaisquer afazeres. ana me indicou outra leitura fantástica, e agora, além de anaïs, tenho também a companhia de rainer maria rilke, e de sua simplicidade expressa em cada carta de "cartas ao jovem poeta". de todas as pessoas que estão longe, ana é a que mais se faz presente, me tornando forte e me dando coragem nos momentos mais inusitados. sábado passado enquanto todos em casa dormiam, fui à praia sozinha porque ela me encorajou e conheci thaise, a garçonete que conversou comigo sobre livros. disse que preferia cigarro artesanal porque matava mais sua vontade e confessou que gostava de ler depois de chegar em casa e tomar seu banho, disse que lia sobre novelas e atores e perguntou do que se tratavam o livro e a revista que eu lia. sentou-se comigo na mesa algumas vezes nos intervalos e me contou sobre como gostava de conhecer pessoas novas e me pediu pra não ir embora tão cedo porque gostava de me ver ali sentada. estou orgulhosa por ter chegado até aqui e sei que ainda falta muito mas já posso afirmar que irei até o fim. afirmo não com a inocência de quem supõe prever o próprio futuro, mas com a força e a fé de quem insiste no que é difícil por saber que "o fato de uma coisa ser difícil tem de ser mais um motivo para fazê-la". a facilidade não me levará a nada, como a beleza vazia que deixei para trás. é preciso percorrer um caminho para chegar ao que é verdadeiramente belo, mesmo que no fim esse caminho apenas reforce a impressão inicial. sou adepta à simplicidade do amor e da beleza, mas tenho aprendido que por mais belo que algo pareça ser, para que sua beleza se concretize realmente, é necessário ir além do encantamento inicial e inocente. meu esforço é para que este momento não me sirva apenas como enfeite e que de fato se concretize em mim como parte integrante do meu ser e como algo que tornará minha vida, cada vez mais, verdadeiramente bela.

salvador, 25/11

Publicado em 25/11/2013

me tira daqui, eu quero fugir
te pego em dez minutos

entra no carro com cheiro de ternura e "eu nunca vou te trazer de volta, e você sabe que eu vou voltar então não chora agora, me dá sua mão, toma aqui um cigarro que as coisas hão de melhorar a cada esquina que a gente dobra pra longe daqui". me chama. me chama de amor desse jeito rendido que derrete e repete, repete devagar no meu ouvido as duas sílabas. a-mor. as duas sílabas mais filhas da puta do universo que fodem com o coração do mundo inteiro inclusive com o nosso. você merece todas as cartas de amor do mundo. se o amor fosse questão de merecimento. e talvez até seja, mas um merecimento tão subjetivo que foge à nossa compreensão, envolvendo alma, aura, vidas passadas e qualquer coisa além do nosso pequeno alcance humano e terreno. porém, prefiro acreditar que o amor não tem nada a ver com merecimento, por isso não me pergunte por que foi que eu demorei tanto pra te escrever, depois de tudo que você me deu e me proporcionou. Ingratidão, com I maiúsculo, você deve pensar. mas não, ou tanto faz, não posso provar o contrário assim como não posso provar ser o contrário do que dizem sobre mim. apropriando-me da fala de caio, a única coisa que eu posso fazer é escrever  e acrescento, sinceramente, abrir meu coração. sendo assim ou não, para além da gratidão, eu não poderia entrar no mar de mãos dadas com alguém. isso impediria o afogamento, a queda, o aprendizado. quando voltei de casa e me encontrei com o mar pela segunda vez o dia estava quase indo embora e as ondas chegavam violentas subindo cada vez mais a maré. eu estava sozinha e sentia uma pontada de medo cada vez que meus pés se molhavam acidentalmente. mas entrei. e caí e me afoguei. três vezes. depois saí andando com a areia no corpo feito cicatriz, me sentindo a mulher mais forte do mundo pelo simples fato de ter me levantado das quedas e ter retomado o fôlego depois de me faltar ar. você me entende? será que você pode ao menos tentar entender que quis fugir correndo de tudo que me tornasse mais forte, de qualquer coisa que tornasse mais fácil o que estou vivendo agora? eu quis chegar aqui com o coração nu e por isso tive que perder você, e me perder de você e nos perder assim covardemente na distância que eu diminui a nada, poucos minutos antes de embarcar. porque eu sabia que se não fosse difícil tudo seria em vão e eu continuaria com a mesma inocência de querer controlar e prever as coisas antes do fim. além do cheiro, guardei o sorriso. me lembro claramente de você sorrindo, encostada na parede, enquanto eu me alternava entre te beijar e me afastar pra te ver sorrir de qualquer coisa banal que alguém gritava da cozinha. como era bom deitar no seu colo e como você foi tola por ir embora daquele jeito antes que o dia amanhecesse, se você me conhecesse mais, se tivéssemos tido mais tempo, você não choraria aquela noite. o próprio ato de dormir com alguém, de encostar a cabeça no peito, de sentir a respiração e a pele encostando e esquentando já é absoluto por si só. sublime e completo, compreende? se não, feche os olhos e tente se lembrar de toda a simplicidade que há em um abraço de amor. e deitar no seu colo era sempre aqui e agora, era deixar todo o resto fora do alcance dos seus braços, e de mim. agora diz, olha pra mim e diz se não foi preciso coragem pra deixar pra trás o conforto do seu colo e de todo o resto. meu silêncio não reflete nada mais do que uma necessidade dura de suportar, mas agora eu tô aqui te escrevendo pra dizer que eu penso em tudo. em tudo que eu deixei pra trás. geralmente quando pego um ônibus lotado às sete da manhã ou quando subo sozinha as ladeiras do caminho de casa. e aí eu me concentro na respiração ou olho pela janela toda a sujeira dessa cidade e os edifícios antigos enquanto sinto, sinto que me torno forte a cada gota de suor que cai no chão. rogo em pensamento para que meus próximos caminhos não exijam de mim tanta solidão e agradeço, ao mesmo tempo, por estar na bahia, onde por mais sozinho que você esteja, será sempre bem acolhido e receberá sorrisos de desconhecidos na rua. espero que ainda nos encontremos para falar e ouvir sobre a vida e depois um abraço. de despedida ou não. creio que cartas de amor, assim como o amor, fogem de quaisquer definições, portanto não posso dizer se isso é uma carta de amor. por outro lado, acredito que tanto o amor quanto as cartas de amor exigem rendição. por isso estou aqui, rendida, assim na esperança de que talvez isso aqui vire uma carta de amor. 

e agora

"olha pra mim
não foi à toa que eu cheguei a ti
se a essas ruas sobrevivi
e nessas praias não me afoguei
foi só porque tinha algo a dizer pra você"
(helio flanders)

vai saber.

um abraço para que eu me sinta em casa

Publicado em 07/11/2013

eu não vou me prender a lugar algum
onde não haja alguém que me faça sentir
que me aguce o sentido, que me tire o sentido
que me cause vontade de viver e de morrer

meu coração é uma âncora em mim
que não vai se afundar sozinha
que vai ficar aqui pesando, enferrujando
enquanto não houver companhia
que compense a profundeza
da permanência nesse lugar

salvador, me salva dessa solidão
ou eu pego o próximo vôo
entro em qualquer avião
me jogo na paralela
me afogo na água parada

bahia de todos os santos
responde meu pranto
me encanta de novo
me afaga em teu seio
me abriga, me dá morada

entende que hoje
é ficar ou partir
ir ao encontro ou fugir
hoje é tudo ou nada

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