Publicado em 15/05/2015

da euforia súbita que só se faz presente depois da consciência do fim
da alegria irremediável que só aparece por se ter estado tão perto da morte
Publicado em 07/05/2015

os travesseiros ocupam
seu lugar na cama

lado esquerdo

como um coração
batendo fora de mim

estou amando
uma mulher de ferro
que belo castigo

nunca mais

Publicado em 16/04/2015

reclamarei da calma. pelo contrário, desejo encontrá-la a cada manhã, nos seus olhos ainda fechados dentro de algum sonho que me inclua ou não. e quando você entrar no carro com seu batom escuro, quero que cada pedaço do meu rosto fique da cor da sua boca. e que eu fique tão suja que seja impossível sair em público, pois será essa minha justificativa pra te levar pro quarto mais próximo e te amar, te amar e te amar o quanto não amei nesses quatro últimos dias.

o desespero

Publicado em 02/05/2015

é uma sanfona

vai e volta
abre e fecha

sempre ecoando
o som agudo

que vibra
em cada livro

na estante
na cama

em tudo
que lembra
você
Publicado em 25/04/2015

acho que já posso voltar a sorrir para ele. o homem cuja letra quase confundi com a minha na dedicatória em um exemplar de sua trágica epopéia. até hoje não consegui ler um poema completo, mas guardo com carinho na estante. o livro, e ele. doce justiceiro. nossas sedes se assemelham. é claro que não serei sua amante, sequer aceitarei qualquer dos seus convites. mas hoje me presenteou de novo. um livro de outro autor, sem dedicatória, sem letra parecida, sem vínculo, sem nada. o conteúdo intelectual me agrada. estou no segundo capítulo. o sorriso é pelo compartilhamento da leitura. não falo de leitura compartilhada, céus, como têm me esgotado as últimas leituras em grupo na sala de aula. ler é um exercício estritamente solitário. também não me refiro aos poemas declamados que, por sinal, me salvam diariamente. compartilhamento literário é qualquer coisa, menos o que fazemos em sala de aula. é o desejo de que outra pessoa tenha acesso àquelas palavras e sinta igualmente. dividir uma leitura é dividir sentimentos. por isso, pela beleza da intenção, um sorriso para o doce homem que teima em se aproximar.

no papel as tristezas são mais tristes

Publicado em 13/04/2015

nosso lugar preferido nem existe mais e o nosso precioso dia é só mais um dia perdido no meio de um reflexo do sol lunático de verão. deveria manter em segredo, não fosse seu fantasma a me visitar noite passada, tão real. eu te pedindo pra ser livre, pra ter coragem. antes de acordar assustada e perceber que talvez eu morra sem que nada mais faça sentido. os textos semanais, falar sobre a beleza da vida, a compaixão pelo outro. tenho compaixão de mim, de você. de todos os covardes. daqueles que como nós, são conscientes da própria covardia. nossa zona de conforto é uma grande cela escura e desconfortável, como aquela em que vivia ezequiel. os ratos andam sobre nós, vivemos entre fezes e ainda assim pensamos que aqui dentro é mais seguro. agora sei sobre as estações do ano. sei também das áreas de instabilidade que causam chuva. sim, sou a nova garota do tempo. de uma forma ou de outra sempre achamos alguma distração. o trabalho é como a fresta da janela anunciando, de dentro da prisão, a cronologia do tempo que passa. claro. escuro. o despertador já tocou, é hora de levantar. 

poema concretista ou rima no meio do nada

Publicado em 21/03/2015

tão natural quanto
dormir ao seu lado e sonhar com você
e o coração que só fica tranquilo quando te vê
me sentir viva na pulsação da veia do seu braço que me abraça
se seu corpo no meu corpo e não mais frio na madrugada,
que seja amor,
que assim se faça

2015, fevereiro.

Publicado em 02/2015

Escrevo à luz de velas depois de uma forte chuva que interrompeu o fornecimento de energia. Tudo está silenciosamente calmo. Não preciso de muito. A arte não precisa. A fraca luz amarelada me é suficiente. O cenário naturalmente poéticó é um presente da natureza. Ela sabe, não sou de inventar histórias. Tenho a vida inteira para me fazer artista. Mas agora, nesse instante, meu prazo não excede o tempo de uma vela.

O papel em branco. A tela em branco. O silêncio antes da música. As luzes acesas no cinema. O preto que antecede as cores da fotografia. São pequenas frestas por onde escapam pedaços de gente. Partes bonitas e sombrias. O que mais causa vergonha e também o que se quer mostrar. De alguma forma, só os pedaços mais verdadeiros e  humanos conseguem escapar. A eles damos o nome de obras de arte.
Imagine o artista como uma nuvem pesada se dissolvendo em pingos, alguns suaves e outros muito violentos. À medida que vai se desfazendo e se transformando em sua obra, se sente leve, livre. Mas a chuva é passageira, logo o céu estará azul de novo, pronto para receber outras nuvens carregadas. E até as mesmas nuvens que se enchem novamente e se dissolvem e se enchem e se dissolvem. A liberdade dura o tempo de uma tempestade. A liberdade dura o tempo de um poema. 

A grandissíssima amante da solidão é quem promove um encontro com a assunção e a fuga em um só lugar. Então, o espanto. O olhar-se no espelho e não se reconhecer.  A arte é um rastro permanente desses encontros. Quando se pode ficar em silêncio por mais de dois minutos e não é necessário sorrir, falar asneiras, ou concordar com qualquer besteira que sai da boca alheia. O artista se torna cada vez mais refém desses momentos. Egoísta, desprendido e solitário para alcançar o máximo de si.

O reconhecimento ao se deparar com o o próprio vômito. Embora não seja algo agradável de se imaginar. É exatamente assim. Desconfortável e aliviante. Uma agressão libertadora. A vela está acabando. Chegarei ao final e terei que reler para corrigir os erros e então me acharei tão tola e ingênua. Indigna dos seus olhos que me acompanham, do minuto que roubo. Mas nã há opção, se é aqui que me reconheço. Se essas palavras me soam mais familiar do que a pessoa que vejo no espelho.


A arte é linda e cruel. Simples como uma vela que queima e ilumina.

não

Publicado em 16/04/2015

nunca mais escrevi pensando em você

mas passo grande parte do tempo
pensando em te escrever
talvez isso valha

e tem mais
ainda refaço seus passos
se é que importa

os pássaros
as estrelas
os caminhos
às vezes me lembram você

quando canto sozinha

e se alguém me pergunta
sobre o amor

saudade

Publicado em 22/01/2015

é um pedaço
de qualquer coisa
que mora na gente
e vive louco
pra voltar pra casa

quero não querer

Publicado em 13/01/2015

suprir todas as suas faltas
não tentar tapar os buracos que a vida deixou
quero desejar apenas segurar sua mão

e isso me faz fadada ao fracasso

porque a verdadeiro amante
não se contenta em ser amante
tem que ser mãe, filha, irmã

tem que ser tudo
Publicado em 07/01/2015

de que valem
os surtos de coragem
se depois a solidão me atrai mais?

A mulher mais corajosa do mundo

Publicado em 2015

Acorda rigorosamente antes das sete e vai para o quintal pentear os cabelos longos e brancos, tão claros quanto o amanhecer. Faz o coque que durará até a hora de dormir e providencia o café doce e forte. Costumava murmurar sobre a demora da morte mas abandonou a mania com a chegada da bisneta Mellina Rosa, dos cabelos loiros e encaracolados, cujo abraço é tão forte que quase chega a derrubar. A menina aprendeu, não se sabe como, a chamá-la de vovó querida e esse afeto tão puro e espontâneo aparentemente adiou sua vontade de ir embora.

Mellina não foi a primeira nem a última, antes dela nasceram quatro e depois dela mais dois. Sua importância vem da mãe, criada a vida inteira pela “vovó Tereza”. Quando era bem pequena, Nayane foi passar uma temporada na casa da avó porque a mãe, Claudina, não tinha condições de criar os três filhos. Depois de um ano a temporada deveria chegar ao fim, mas a netinha ficou doente longe da avó e essa quase morreu de paixão. O passeio durou a vida inteira, até o casamento de Nayane, de onde saiu o fruto, a bisneta tão querida que deu vida à vida da bisavó.

Depois de passar o café, compra o pão no mercado da esquina. Embora o corpo esteja fraco e a pernas trêmulas anunciem o auge dos 89 anos, nem pensa em dispensar as caminhadas diárias. Chega a ir ao mercado três vezes no mesmo dia. Os pães sempre são contados de modo que sobrem para amanhã, não porque alguém na casa goste de pão amanhecido, mas é que as visitas esperadas nunca chegam, não na mesma hora. O importante, ela pensa, é estar sempre preparada para receber quem quer que seja.

Há quem diga que é uma mulher de sorte com tantas companhias e a campainha que toca o dia inteiro movimentando a casa e o coração. Além da neta, o filho mais velho também foi morar com ela logo que se separou da esposa. Fora o fato de livrá-la da solidão, Ruremar não deu muitas alegrias. Taxista e alcóolatra, recentemente abandonou o ofício depois de ser pego dirigindo embriagado. Por sorte, ou pelas orações da mãe, nunca sofreu nenhum acidente grave e está largando o vício. A embriaguez se tornou rara e no meio de semana se ocupa de algumas atividades como varrer o quintal, colocar o lixo para fora e assistir televisão. Mas a gratidão e necessidade de cuidado que a mãe sente por ele vêm desde tempos remotos, quando o marido morreu e ele a ajudou a criar os cinco irmãos.

A história de Terezinha é uma história de amor que poderia ser facilmente confundida com com romances de filmes e livros que circulam por aí. Quem a vê às oito da manhã tomando leite com café de forma tão calma, nem imagina sua trajetória. Tudo começou por volta de 1947. De família tradicional em Buriti Alegre, no interior de Goiás, costumava andar a cavalo com os irmãos na redondeza da fazenda onde moravam. Em um desses passeios conheceu o amor de sua vida, Ronan. Ele estava encostado na porteira da fazenda em que trabalhava. Rapaz bonito, alto, chamou sua atenção. Naquele dia não conversaram muito, mas pouco tempo depois descobriria que Ronan não tinha pai nem mãe, e muito menos dinheiro. Mas era trabalhador e para ela isso bastava.

Começaram a namorar e, como era de se esperar, a família não apoiava o romance, arrumaram inclusive um noivo de origem rica para que ela pudesse se casar o mais breve possível. Mas não adiantou, Terezinha amava Ronan e já havia decidido que não se casaria sem amor. Dito e feito – fugiram na calada da noite sem deixar nenhum sinal. Foram andando até Buriti Alegre e de lá pegaram um carro para a cidade vizinha, Morrinhos, onde se casaram no outro dia. Depois, foram de caminhão até Ceres, onde alguns familiares de Ronan lhes dariam abrigo.

Logo ela mandou uma carta para a família junto com a certidão de casamento e obviamente não obteve resposta. Quando perceberam que ela havia fugido, a preocupação foi outra. “Era eu que guardava o dinheiro do meu pai e na hora que eles deram falta de mim, dizem que ele foi direto pra procurar, ver se eu tinha carregado o dinheiro, e eu não tinha levado nada. Eu procurava dar um jeito de juntar meu dinheiro”, conta. Na ocasião, um irmão chegou a dizer que ela deveria ter levado pelo menos uns dez contos, que era pra não passar fome por lá.

Não pôde voltar em casa por muito tempo, sob risco do pai e os irmãos matarem o marido. A mãe não era tão rígida, mas também tinha medo, por isso achava melhor que a filha continuasse longe. “Depois de muito tempo, quando eu voltei lá meu pai já tinha falecido. Não despedi do pai”, fala em tom de tristeza e arrependimento. Não se arrepende de ter fugido por amor. Se pudesse, faria tudo outra vez, do mesmo jeitinho. No entanto, isso não diminui a tristeza que sente por nunca ter se despedido direito do pai.

Só depois que ele faleceu, ela voltou na fazenda para visitar a mãe e os cinco irmãos – quatro homens e uma mulher. Eles não guardavam mais rancor, mesmo a pior das mágoas ameniza com o tempo. Terezinha era vista como uma rebelde pela família que, apesar de tudo, não deixou de amá-la. Hoje, ela é a única que ainda permanece viva. Vai fazer dois anos que o último irmão, o mais novo, morreu. A morte é sua maior tristeza, tantas pessoas que perdeu ao longo da vida. Lamenta, mas continua firme. A liberdade de ter feito as próprias escolhas lhe deu forças para seguir em paz por tantos anos.

Depois do café, é hora das obrigações. Primeiro, rega as plantas com cuidado, a cebolinha está quase grande e os ramos de chá são o melhor remédio quando alguém adoece. Em seguida, é hora de lavar as roupas, sempre há alguma peça leve para lavar na mão. As brancas, coloca dentro de uma sacola com água e sabão e põe no sol para clarear. Lavar roupas é quase um ritual diário, a tarefa doméstica preferida e que já serviu até como fonte de renda. Houve um tempo em que lavava roupa na vizinha em troca de leite para os filhos e pedaços de sabão, logo após a morte do marido.

A essência de Ronan era nômade, ele não aguentava ficar muito tempo no mesmo lugar. Trabalhava em fazendas, na fabricação de tijolos e sempre dava um jeito de ser transferido para outra cidade onde ganharia mais dinheiro ou supostamente teria mais oportunidades. A intenção era sempre arrastar consigo a esposa e os filhos, mas ela não ia assim tão fácil: “Eu posso ir com você, mas só se for onde os meninos possam estudar”.

Quando compraram uma casa na cidade de Porangatu com o dinheiro de uma herança que Terezinha recebeu, ele não cessou enquanto não venderam. Houve uma vez, ela conta, que um homem queria dar um carro em troca da casa: “e ele falou, não mas ele já passou os documentos pra mim. Aí eu falei mas eu não assino porque a casa é no meu nome também”. Depois, se mudaram e tiveram que vender a casa, segundo ela, por “mixaria”. Receberam errado, venderam alguns móveis e outros deram para os vizinhos.

Primeiro foram para Conceição do Araguaia, no Pará. Ficaram lá alguns dias, alugaram uma casa perto de uma olaria onde um dos filhos chegou a trabalhar. Mas não ficaram muito tempo, logo Ronan levou a família para Redenção do Pará, sem saber que lá seria enterrado. Também seria por lá que a segunda filha, Vera Lúcia, firmaria as raízes que duram até hoje. Vera sempre teve um temperamento calmo, como das enfermeiras que não se deixam contaminar pelo desespero do paciente. Mesmo sem formação, acabou se infiltrando na área da saúde. Começou trabalhando na lojinha de um casal que, entre tantas outras mercadorias, também vendia remédios. Depois, um rapaz que tinha uma farmácia perto do hospital a chamou para trabalhar. E por fim, ela foi trabalhar no hospital.

Em Redenção, Vera conheceu seu marido, Zé Mario, do qual é divorciada hoje. Tiveram quatro filhos e ela adotou como suas outras duas filhas dele com outra mulher. Hoje, ela vive dividida. Passa um tempo em Redenção, com a família que criou, e um tempo em Goiânia, cuidando da mãe. Vera deve chegar mês que vem, mas enquanto não está aqui, é Terezinha quem se encarrega do almoço. Cozinhar não é seu ofício preferido, mas faz de bom grado o arroz, o feijão e a carne, sagrados. Às vezes frita uma banana ou corta um tomate para variar um pouco. Costuma chamar todos em casa para almoçar, e quando dizem que não, ela considera uma ofensa.

Mais do que respeito, os filhos têm grande admiração pela mãe. Apesar de ter ficado viúva tão cedo, nunca teve outro homem e talvez por isso tenha a imagem santificada por todos ao redor. Mas sem esforço, naturalmente, ela faz por onde. Sua postura condiz com o altar no qual a colocam. Possui a serenidade e calma de uma capricorniana e apesar de não compreender muitas coisas dos tempos atuais, não se acha no direito de julgar. Além de tudo, conserva até hoje o estilo clássico dos anos 50, usando apenas vestidos, sempre com as anáguas por baixo.

Quando Renan morreu, fazia quatro anos que moravam em Redenção. “Lá ele trabalhava em uma fazenda e o povo gostava muito dele. Era um sábado quando ele chegou em casa e na hora de deitar reclamou de dores no corpo. Aí eu falei, então amanhã você não vai trabalhar, vai consultar primeiro, tomar os remédios pra depois ir”, conta. No outro dia cedo ele foi ao hospital onde a filha trabalhava, onde o internaram, ainda com muitas dores.

“Mas lá não descobriram o que era, ele continuou passando mal e eu falei que se ele não melhorasse eu ia levar ele pra Conceição. Ele tinha um compadre que era conhecido e gostava muito da gente, que também era de Porangatu e até morou na nossa casa um tempo. E aí eu arrumei pra ele internar o Ronan em Conceição e fiquei cuidando da casa e dos meninos, três ainda eram pequenos. Mas depois eu deixei a Vera por conta, fiz tudo que tinha que fazer em casa e fui ficar com ele no hospital. Ele fez os exames e eu falei que se curasse eu deixaria ele lá, se não, ia trazer pra Goiânia”, relembra.

Em Conceição não havia laboratório próprio para fazer os exames mais detalhados, e a alternativa foi levá-lo para Goiânia. Foram num avião da fábrica que Ronan trabalhava, levados pelo gerente da fábrica. A internação seguiu a chegada e no outro dia, quando fizeram os exames, o resultado: câncer de fígado. Mesmo assim, ele não quis ficar para se tratar: “Ele quis ir embora de todo jeito por causa dos meninos que tinham ficado lá. Quis voltar e nós levamos um monte de remédio. Aí nós chegamos lá num domingo e ele morreu no sábado, durou uma semana só”.

Apesar da tristeza e da viuvez precoce, ela afirma que “foi melhor do que ficar sofrendo”. Ronan morreu aos 44 anos, pouco mais de um mês depois de sentir as dores naquele sábado. Depois de seu falecimento, a família ainda morou dois anos em Redenção do Pará. Ruremar, o filho mais velho, trabalhava dia e noite para ajudar a mãe a criar os irmãos e buscava a lenha para alimentar o fogão à lenha e a família. Ao fim dos dois anos, mudaram-se para Goiânia, onde Terezinha tinha família e onde moram até hoje. Ficou um tempo com um irmão, depois pagaram aluguel, ela costurava e lavava roupas para ganhar dinheiro. “Não era fácil”, ressalta. Os filhos também trabalhavam para ajudar, os mais velhos assumiam a responsabilidade pelos mais novos e no fim, mesmo em meio às dificuldades, nenhum deixou de estudar.

Ruremar foi o que menos estudou, devido à grande responsabilidade que assumiu com a morte do pai. Vera ficou por muito tempo na área da saúde. O terceiro filho, Paulo Silas, que tem seu nome graças à amizade entre os discípulos, virou contador. Ronildo foi farmacêutico mas abandonou o ofício antes da hora por insanidade mental. Rubens foi policial, guarda de trânsito, sempre sorridente e cheio de carisma, daqueles que conquistam todos ao redor. Parou de atuar depois de sofrer um acidente de moto e ser aposentado precocemente. Cláudia, a mais nova, apesar de ter recebido estudo diferenciado dos outros, em escola particular e adventista, escolheu se casar cedo e não deu muita sorte. Recentemente separou-se do marido para aparentemente viver o verdadeiro amor.

Depois do almoço, Terezinha cochila e quando acorda vai para o quintal ler a bíblia na cadeira branca do jardim. Há doze anos está na Igreja Universal, atraída por um programa de televisão. No início, ia às terças, na sessão do descarrego, até preferir algo mais calmo. Hoje frequenta a igreja aos domingos, todos, sem cessar. Sempre na unidade central, a catedral. Filhos e netos se alternam na missão de levá-la e buscá-la toda semana. Outro dia voltou de taxi e não acertava o caminho de casa, diz que não sabe o que aconteceu, simplesmente “deu branco”. O fato serviu de alerta para que não a deixem voltar sozinha mais.

Acredita que o filho largou o alcoolismo graças às suas orações. Como a casa inteira mata a sede no seu filtro de barro, costuma ungir a água e jogar dentro para que a família seja abençoada. No último domingo, o pastor ofereceu um papel para que os fieis listassem seus medos e os eliminassem por meio de uma campanha de oração. Terezinha rejeitou, sob o pretexto de “não tenho medo de nada”. De fato, 90 anos deve ser tempo suficiente para superar os medos. Ou para vivê-los, como ela viveu tantas mortes e viu tanta gente que amava ir embora.

Às 18h30 em ponto, fala sobre a beleza do sino que toca na igreja vizinha. Em seguida, espera o filho, Paulo, e a nora, Jaqueline, chegarem para conversarem no quintal. Com quase 30 anos de união, Terezinha mora com eles desde que se casaram. Quando foi propor à esposa que a levassem junto, Paulo disse: “se você me pedir para escolher entre você ou minha mãe, eu vou escolher você, mas tenha certeza de que nunca serei plenamente feliz”. Ela aceitou e desde então moraram em duas casas, as duas com um barracão no fundo para abrigar Terezinha, que faz o possível para nunca interferir na vida do casal. Se alguém contesta, Jaqueline logo rebate o estereótipo de sogra dizendo que a dela é diferente. E é.

Quando a lua surge no céu, mostra para mim, sua neta, a Estrela Dalva. Dizem que não se trata de uma estrela e sim de um planeta, Vênus - mesmo nome da deusa romana do amor. Todos os dias, dessa ou de outra maneira, ela aponta para o amor e me mostra o quanto brilha e clareia tudo ao redor. Minha vó é uma espécie de estrela, uma espécie de luz que carrega poesia em cada ruga. Sinto que herdei dela mais que o signo do zodíaco e uma parcela de calma, mas ainda não achei em mim a coragem que a fez ser o que é. Minha avó é a pessoa mais corajosa do mundo. E essa é uma história sobre o amor.




Publicado em 27/11/2014

quão corajoso seria
se eu contasse o que dizem seus olhos?
Publicado em 26 de novembro de 2014

ontem mamãe acordou se sentindo triste e sem forças. mandei flores e um bilhete "temos que ser fortes se não a vida nos engole". no caminho de volta, depois da encomenda na floricultura, chorei. em prantos, me senti uma fracassada por não poder dar a ela as alegrias reais que uma filha deve dar à mãe.

tenho medo

Publicado em 28/10/2014

desse tédio que me tira a vontade de viver
medo de que esse medo acabe e eu não sinta mais nada
não tenha nada para dizer

não quero mais saber o que minas gerais fez comigo
ou onde é que foi parar meu coração

e a solidão
desde não sei quando
se tornou sagrada

todas as minhas tentativas
têm sido falsas

dei férias à esperança
que inda ontem depositei no amor

(prefiro pensar assim)

despejar aqui

Publicado em 04/09/2014

os excessos que ninguém é obrigado a suportar.
que ninguém é capaz de suportar.

expurgação

Publicado em 03/09/2014

amo pelo mesmo motivo que erro tantos caminhos. amo porque insisto. erro porque teimo em continuar. continuar e continuar até depois do fim. não fosse assim eu não teria perdido o medo. nem saberia que é possível voltar e seguir o fluxo, embora seguir o fluxo seja um grande pecado que cometemos contra a vida. já nasci cansada dessa alegria meia-boca que a gente é obrigado a sentir porque está vivo. por isso invento amores, e me entrego ao que não conheço sem delongas e protocolos. sem o medo que perdi nos dos caminhos que errei.

preciso dizer a vida em voz alta. tenho um microfone sempre à minha espera, um microfone que não mata a sede de falar porque no jornalismo a gente perde tanto tempo dizendo o que não se quer que não sobra um minuto pra falar o que se tem vontade. escrevo porque quando alguém lê, a palavra entra pelos olhos tão alta quanto o grito dos desesperados. depois fulano vai falar que se sentiu tocado. é claro que sim. quem é que não se identifica com a crua realidade? não há nada mais bonito e mais cortante do que a verdade e é por isso que falo de tristeza, porque uma lágrima que cai dos olhos é o ato mais verdadeiro. e esse desespero infindável do homem só acaba com a morte (amém).

não basta simplesmente amar o que não conheço, preciso, sobretudo hoje, dizer sobre. a textura da pele que nunca toquei, o cheiro entre a orelha e o ombro que nunca senti. a boca, seca ou molhada. a língua que caminhará ou não nas nuvens do meu céu. tudo isso deve entrar na poesia, toda pessoa nova deve ser recebida com poesia. e aí eu viro vassala de novo, ofereço lealdade ao senhor amor sem garantia de troca. corro como um cão faminto e minha fome assusta até a mim. euforia compartilhada, repito, euforia compartilhada. o mapa da rota de fuga nos olhos de alguém. nos seus?

choveu. hoje o cheiro de chuva não foi ilusório. mas o chão molhado ainda não deu fim ao ar abafado da solidão. chega o fim do dia e eu já dei todas as notícias mas o coração continua pesado. as lentes cansadas quase pulam sozinhas para fora dos olhos e eu quase permito porque me cansa tanta nitidez. quero, mais do que a miopia, a cegueira que a gente só adquire na cama, quando sentir vale mais do que ver. quero te esperar das viagens e te contar que não falo inglês mas toco pandeiro como ninguém. e percorrer com você todos os hotéis da cidade, fumando todos os cigarros em todas as sacadas. e sentir o novo, de novo. mesmo que você não ache tão importante assim se sentir tocada. quase gosto desse amor involuntário que nasce com a vontade e antes de qualquer confirmação. toda escolha é sempre um risco que se corre. e se você for mais um caminho errado, que pelo menos eu te percorra até depois do fim. 

agradeço a julho

Publicado em 03/08/2014

e a julia pelo silêncio, pela calma, pela passividade. agradeço por ter finalmente entendido que a vida é mais do que uma grande narrativa e que nem todos os escândalos particulares precisam ser ditos, embora o egoísmo do ofício de escrever seja uma grande tentação. agradeço pelo conformismo da calma que agora assumo e pela a urgência de sempre que me faz escritora, amante e humana. pela paciência com minha incompreensão e pelo momento lindo e duradouro que até hoje mata minha sede de amor. agradeço a julho e a julia que já passaram, mas passaram a passos lentos, me obrigando a diminuir a pressa para acompanhá-los. pela libertação do segredo arrancado, pelo compartilhamento. agradeço sobretudo porque no lugar de todas as heranças malditas que os amantes deixam para trás, restou apenas essa gratidão sincera e rara. e se todas as mulheres do mundo forem só mais uma, que a diferença esteja no que permanece além do fogo.

carne da minha carne

Publicado em 22/06/2014

volto a escrever uma carta depois de tanto tempo me concentrando na poesia. minha descrença vem da ideia de que qualquer tipo de prosa é um conjunto de explicações e justificativas íntimas demais para despertarem em alguém o desejo de serem lidas. mas afinal, nem todos os escritos são, em essência, para serem lidos. alguns, como esse, não passam de salvação para quem os escreve. creio que a aproximação está cada vez mais rara, quanto mais o interesse por aquilo que é tão particular. mas no auge de meu egoísmo e desespero te escrevo para dizer que passei a tarde em exercício doloroso de tentar desvendar teu silêncio. escrevo também para dizer que estou aí, não aqui. sei, muito antes daquela manhã, muito antes de sentí-lo bater no meu peito direito, sobre a bondade do teu coração. reconheço o valor do teu sorriso muito antes de querer que fosse nosso e querer que fosse nós a causa da tua alegria. "ah, quem me dera eu pudesse ser a tua primavera". não me interessa mais ser a causa de nada, contanto que sorrias como quando beijei tua barriga. contanto que sorrias todos os dias, tão natural quanto tua beleza. e se voltares atrás, nada farei. nada farei pois não há nada que alcance o livre arbítrio humano. queria ser eu silêncio, calma, e tudo mais quanto exigisses de mim. queria ficar em meu canto, calada, contemplando em paz a espera. mas sou esse desespero, essas tantas palavras, essa sede por um sinal de vida teu, por um carinho teu. "sou louca por você" tenho dito todos os dias. a verdade é que te quero com toda minha lucidez, nua e vestida. quero que seu coração despido me aqueça feito fogo que nasce do atrito entre dois corpos. e que o meu coração quente nunca te deixe sentir frio. mas há ainda o mistério, o tempo que não passa, e essas distâncias nunca medidas com exatidão. nada posso fazer senão te esperar com a calma que não possuo, com a saudade que corta e dói. desejei até que secasse meu sangue, porque o amor que sangra por dentro dói mais do que todas as feridas. mas vou deixar que corra tudo, a corrente sanguínea, a vida, os nossos destinos, que quiçá se entrelaçarão no final. não se vista de nada, seja meu amor nu, no topo do mundo, a ler meu corpo. enquanto te escrevo em silêncio poemas como esse:

no topo do mundo
ela lia meu corpo
e eu absorvia
sua língua, seu mel

no alto, mais alto
minhas curvas em braile
cheiro de fôlego
e gosto de céu

o mundo era nós
e tudo era nosso
a vida restrita
a um quarto de hotel

sei que o topo do mundo é estreito, e que do alto mais alto sei cai. mas confia em mim como confio em ti. me abraça forte, me beija, me afaga. me embrulha em tua pele. e não se esqueça, sou contigo, estou contigo. só assim permaneceremos n'altura das nuvens e o alimento do amor será também o alimento da vida que queremos levar. 

com amor e saudade,
da sua.

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